Monday, May 4, 2009

Meu cotidiano com os curdo-iraquianos de Arbil - Arbil/Iraque

E aqui estou eu… intercalando horas seguidas à frente deste laptop com páginas do cotidiano dos estudantes curdo-iranianos da Universidade de Arbil.

Já faz quase uma semana que estou no apartamento de Khalid e de seus cinco roommates (todos do Irã). Não poderia estar em lugar melhor para atualizar este blog e tenho certeza de que a despedida será uma das mais difíceis da viagem.

No dia em que cheguei, Khalid comprou cervejas por conta de uma brincadeira que fiz após conversamos sobre a proibição do álcool no Irã. Disse, “tenho que tomar todas aqui!”, e à noite ele apareceu com Heinekens e Milleres.

No dia seguinte, Bahruz, estudante de biologia, convidou-me para a apresentação de seu trabalho de conclusão de curso (TCC). Assisti a pelo menos mais três apresentações antes da sua e, numa delas, ouvi o professor fazendo um comentário que começou com “Bismi Lah Arahamen Arahim” (em nome de Allah, o todo Misericordioso, o sempre Misericordioso). Virei para Khalid e lhe pedi que traduzisse o restante. Ele me explicou que o professor estava corrigindo o trecho do Corão citado na monografia da aluna.

Na verdade a citação do Corão nos TCCs é opcional e a Universidade de Arbil (UA) é bastante liberal. Aliás, fazia muito tempo que eu não via uma concentração tão grande de mulheres bonitas e bem vestidas por metro quadrado. Sem dúvida, só na GV eu havia visto tantas garotas tão maquiadas para assistiram às aulas como na UA.

Voltando à apresentação de Bahruz… Ele estava bastante nervoso, mas se saiu muito bem. Ele e Ayub (roommate que estuda Física) terão mais dois meses de aulas e se formarão no final deste semestre.

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Numa noite fomos jantar na casa de um amigo de Khalid, Sr. Sirvan. Depois da refeição, enquanto estávamos tomando chá na sala-de-estar, ele me perguntou se eu não gostaria de provar rancotiyoga, as roupas tradicionais curdas. Claro que aceitei o convite.

Fui até seu quarto e vesti os trajes de mais de 250 dólares cuidadosamente. O mais divertido foi dar voltas para enrolar na cintura o lenço de quase cinco metros de comprimento que serve como cinto.

Tudo pronto, estava pousando para a foto quando o Sr. Zurar, pai de Sirvan, colocou uma arma na minha cintura. Achei que fosse de brinquedo, mas quando os vi tirando uma Kalashnikov de trás da porta percebi que se tratava de uma autêntica Colt. Pai e filho haviam sido peshmergans.

Sem dúvida, há dois fatos que marcam a vida da maoria dos senhores acima dos 40 anos no Curdistão iraquiano: a luta contra Saddam Hussein e a compra de um brazili (passat).

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Já numa tarde, Ayub me convidou para escolher o presente de aniversário de sua namorada. Recebi o convite como uma espécie de voto de confiança, dado que se trata de sua primeira namorada, e me dispus a fazer algo que julgava impossível: escolher uma bolsa feminina.

Fomos a um dos inúmeros shoppings centeres da cidade – em Arbil, só eles crescem com a mesma velocidade que as mesquitas - e, após entrarmos ao menos duas vezes em nove lojas diferentes, Ayub finalmente se decidiu por uma bolsa caríssima.

No dia do aniversário fomos ao maior parque do Curdistão iraquiano, Sami Abdulrahaman Park. Ayub estava visivelmente estressado e preocupado. Caminhamos por meia hora até que ele escolheu o melhor lugar para que fizéssemos a festinha.

Alguns minutos depois, Amin, sua namorada, e mais três amigas chegaram. Fiquei a maior parte do tempo conversando com Naska (a única, com exceção de Khalid, que falava inglês), uma garota de 22 anos que estuda computação.

Ela nasceu no Irã e cresceu sem seus pais, os quais tiveram de fugir para o Iraque por conta de fazerem parte do partido democrático curdo. Aos 18, muda-se para Arbil e finalmente reencontra sua família.

Depois cantamos “Tavaludet Mobarak”, “parabéns pra você” em farsi, e entregamos os presentes. Khalid deu um livro sobre a cultura curda; as meninas, um pingente; e, por fim, Ayub lhe entregou a preciosa bolsa.

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No final de semana fomos a um piquenique organizado pela universidade. Ao menos cinco ônibus saíram de cada uma das escolas. Khalid e eu fomos com os estudantes da faculdade de ciências humanas.

Encontramo-nos com suas amigas iranianas e ocupamos o fundão do ônibus. Havia somente umas dez garotas no veículo, sendo que as do Irã, nitidamente, eram as mais animadas. Elas cantaram músicas curdas a viagem inteira.

Uma hora depois paramos para fazer o primeiro piquenique (ao todo, foram três). Olhei para as montanhas ao redor e vi alguns homens dispersos em seu topo. Perguntei à Khalid se era normal soldados naquela região e ele me disse que eles estavam lá por conta dos estudantes da universidade. Alguns minutos depois, descobrimos que Masoud Barzani, presidente da Região Autônoma do Curdistão iraquiano, faria um discurso num palco montado próximo ao lugar onde estávamos.

Após o discurso, dirigido aos estudantes, fomos para outro lugar onde almoçaríamos. Estava jogando futebol com umas crianças quando fui dominar a bola com um movimento mais brusco que gerou um som de tecido rasgando. Não fazia nem dois meses que havia comprado esta calça nova e já tinha um buraco de quase um palco no meio das pernas.

Khalid conseguiu agulha e linha numa casinha próxima de onde estávamos e tentei costurá-la. Alguns minutos depois o buraco abriu novamente. As meninas já haviam percebido o incidente e tentaram me tranquilizar, “Relaxa, não tem problema.” Depois dessa, acabei desencanando mesmo e só costurei quando voltei pra casa com uma linha muito mais resistente: fio dental.


À noite, fomos para outro lugar para jantarmos kufta (beringela, abobrinha, tomate e cebola recheados com carne e arroz), meu prato curdo preferido. Dançamos músicas tradicionais e voltamos para Hawler (Arbil em curdo) às 20h. No ônibus, as meninas e Khalid ainda cantariam músicas iranianas.

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