Monday, May 4, 2009

Eu, Ben-Gurion e Fidel - Aman/Jordânia

A Jordânia não me inspirava muito ânimo, tanto que passei apenas uma semana no país. Depois de conhecer Petra fiquei mais três dias em Aman antes de ir a Damasco, Síria.

Petra


A maior parte do tempo na capital jordaniana fiquei em meu quarto, no hotel clandestino Venicia. Precisava terminar um livro que havia comprado em Israel e poderia comprometer minha entrada na Síria.

Tudo começou quando eu me perdi nos arredores de Tel Aviv. Dirigia-me à casa de um amigo que vive na Rua Ben-Gurion. Ao desembarcar do ônibus, estava na rua certa da cidade errada. Foi assim que descobri que toda cidade israelense tem uma rua Ben-Gurion.

Essa coisa de nomes de ruas sempre me fez sentir um ignorante. Por exemplo, em 23 anos de existência só sei que o Coronel Reis (nome da rua onde moro) foi um militar. Este pensamento me atormentou quando vi a foto de um velhinho com cabelos à Einstein abaixo do título Ben-Gurion estampada na capa de um livro numa loja de Jerusalém. Desconsiderei pudores orçamentários - na verdade pus na conta de meu pai - e pagamos 30 dólares pela biografia do cara.

Sem dúvida o livro de Michael Bar-Zohar foi a melhor leitura do ano. Cada hora que passei naquele muquifo foi devidamente recompensada. O que mais me impressionou na história do fundador de Israel foi sua determinação. Nelson Rodrigues dizia que o grande homem é a soma de suas ideias fixas. A ideia fixa de Ben-Gurion, nas palavras de seu secretário Yitzhak Navon, era a sobrevivência do povo de Israel.

Com apenas 14 anos BG criou uma sociedade para a divulgação da língua hebraica, Ezra Society. Aos 17 anos, diante do programa ugandista apresentado por Herzl (pai do movimento sionista), decide imigrar para a Palestina. Em suas próprias palavras, “A maneira mais efetiva para combater o ‘ugandismo’ era a formação de assentamentos na Terra de Israel”.

Em 1903, com 20 anos de idade, desembarca no porto de Jaffa e começa a trabalhar em fazendas de pioneiros. Sob péssimas condições de vida, passa fome, frio, e enfrenta moléstias.

Aos 25, decide estudar a lingua turca e as leis otomanas para que pudesse implantar o projeto sionista por vias legais. Matricula-se, assim, na faculdade de direito de Constantinopla.

Aos 32, durante a Primeira Guerra Mundial, após ser deportado da Palestina pelo Império Otomano por conta de seus trabalhos relacionados ao movimento sionista, BG compõe o Batalhão Judaico no exército britânico e desembarca em Tel Aviv após três anos de exílio.

Só escrevi um pouco da história de BG para mostrar sua ideia fixa, ou melhor, dar a dimensão de sua grandeza. Todavia, ainda falta um caso marcante de sua firmeza de caráter.

Após a declaração de independência do Estado de Israel, em 14 de maio de 1948, os exércitos do Líbano, Síria, Iraque, Transjordânia e Egito declararam guerra à nova nação.
Heroicamente os israelenses conseguiram conter os inimigos, mas a maior provação se deu em 20 de junho, quando o navio Altalena (pseudônimo de Vladimir Jabotinsky), carregado com 5000 rifles, 3000 bombas, 3 mi de pentes de balas, centenas de toneladas de explosives, 250 metralhadoras, além de morteiros e bazucas, atracou a um quilômetro de Tel Aviv pretendendo descarregar o material militar que seria usado para armar a facção sionista Irgun Zvai Leumi (IZL), a qual cometeu ataques terroristas contra britânicos e árabes.

Ainda que o equipamento bélico fosse usado para combater os inimigos árabes, Ben-Gurion considerou o fato como um desafio aberto às leis do novo estado e uma violação do acordo que havia sido feito entre o governo provisório de Israel e a IZL em que os membros desta se juntariam, lealmente, aos batalhões que constituiam o exército israelense.

Como Menahem Begin, líder da organização separatista, recusou-se a negociar com o governo, B-G não hesitou: “Oponho-me a qualquer negociação. O tempo para acordos passou! Se a força está disponível, ela deve ser usada imediatamente!”

Assim, a decisão óbvia, mas difícil, foi tomada: afundar o navio. Como consequência, 14 membros da IZL foram mortos e dezenas se feriram, e Israel mostrou com aquele gesto como iria lidar com o terrorismo.

Falei de Ben-Gurion, mas ainda nada de Fidel, outro companheiro com quem dividi meu tempo em Aman. Felizmente não se trata do Fidel cubano, mas de um Fidel libanês, que estava hospedado num quarto vizinho ao meu.

Quando eu não estava com um, eu estava com o outro. Em uma das inúmeras ocasiões em que Fidel me convidou para tomar chá, ele reparou no livro. Assim, foi inevitável falarmos de Gaza, Israel, Hamas…

O libanês não é nem um pouco religioso e sua visão não traz nenhuma carga de fundamentalismo islâmico. Se digitarmos no google “Gaza” iremos nos deparar com muitos textos que compartilham com sua opinião.

Para Fidel, em 60 anos de existência da nação israelense, o governo de Israel não foi capazes de promover a paz porque não se dispõem a ceder a Cisjordânia e a faixa de Gaza para a formação do Estado Palestino.

Grupos como o Hamas não são terroristas, mas organizações de resistência contra seus colonizadores, os quais se escondem em hospitais, escolas e mesquitas por serem civis oprimidos que precisam combater seus inimigos no meio de seu próprio povo. Não se trata de uma nação organizada, com exército próprio que pode enfrentar Israel num campo de batalha.
Enfim, seu discurso é o mesmo que corre entre os esquerdistas que tentam enxergar o “humanismo”, as razões psicológicas, os motivos elevados que movem uma organização a lançar bombas a esmo para matar inocentes.

Sinceramente, é realmente difícil conversar com árabes e, algumas vezes, refugiados palestinos, sobre a questão, porque é bem possível que estou falando com pessoas que tiveram familiares mortos no conflito.

Posso entender a dor destas pessoas, as quais perderam filhos, irmãos, pais; posso chorar com elas, compartilhar a dor, o sofrimento, mas não estou disposto a me esforçar para encontrar explicações para assassinatos de judeus inocentes. Não estou disposto a deixar meus valores de lado para concluir que atentados terroristas ou morteiros em Sderot são manifestações legítimas de um povo que, depois de tantas guerras, perdas e mortes, não tem outros meios para impôr sua vontade de ser livre como nação.

Arafat teve a chance, com o Acordo de Oslo, de formar o tão desejado Estado Palestino, mas não foi capaz de renunciar ao terrorismo. Em 2000, na Conferência de Camp David, Barak ofereceu 90% da Cisjordânia, compensações por terras perdidas e até mesmo porções de Jerusalém. Novamente, Arafat não teve interesse de abraçar a proposta.

O caso Altalena demonstra como a sociedade israelense se estabeleceu diante dos elementos que B-G sempre julgou determinantes para o destino do país que criou: força e grandeza moral. Força para se defender dos inimigos que ainda desejam aniquilá-la. Grandeza moral para controlar o uso desta força e manter unida uma nação democrática e livre.

Tem gente que diz que os palestinos precisam de um Ben-Gurion. A verdade é reconfortante porque não depende de líderes carismáticos, messias... Mais do que da força bélica que advém do Irã para matar judeus, uma nação palestina só poderá nascer da mesma rigidez de principios que erigiu Israel. Ela começa na maneira que tratam os inocentes do lado inimigo e termina na condenação dos atos imorais de seus próprios pares.

1 comment:

Mik said...

Ter essa percepção e força moral é algo valioso. Para ver e para ser.