Monday, May 4, 2009

Família Ormek - Diyarbakir/Turkey

Parti do Iraque com a intenção de ir a Trabzon tentar o plano B para o visto iraniano.

Como sempre os funcionários curdos da fronteira me arrumaram uma carona num táxi para que eu pudesse passar para o lado turco.

Parêntesis: a revista no lado turco foi a mais forte que enfrentei numa fronteira. Revistaram todas as malas e cada um dos passageiros, além de checarem cuidadosamente o carro. Isto porque nas montanhas do Curdistão iraquiano se escondem os gerillas, guerrilheiros do PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistao), uma organização terrorista curda que luta pela formação do Estado Curdo na Turquia.

De tabela, Keinan, um empresário curdo de Diyarbakir que estava no carro, convidou-me para viajar com ele até a sua cidade. Conosco também viajou Kailid, um árabe de Mosul que ia a Istambul fazer negócios.

Chegamos na cidade às 20h. Diyarbakir é famosa por suas comemorações de Nowruz e é também a cidade curda mais populosa do mundo (mais de um milhão de habitantes).

Estava caminhando por um labirinto de ruas estreitas no centro da cidade com paredes repletas de cartazes politicos curdos escritos em turco (na Turquia, a propaganda política é proibida em curdo) e pichações dos dizeres PKK e APO (Abdullah Ocalan, fundador do PKK) quando encontrei uma manifestação política.

Centenas de jovens, crianças e adultos dançavam ao som de músicas curdas e balançavam bandeiras amarelas com a sigla DTP, partido curdo da Turquia.

Fiquei assistindo de longe, trocando palavras com o círculo de crianças que se formava ao meu redor, e esperando por alguém que falasse inglês.

Meia-hora depois, finalmente Zelal (para o governo turco, que não aceita nomes curdos, ela é conhecida como Gudbahai) apareceu. Ela me contou que a manifestação se dava em razão do sucesso alcançado pelo DTP nas eleições locais do domingo passado.

Fui até sua casa e pude conhecer sua família, toda engajada politicamente. De todos, quem mais me impressionou foi Medya, sua irmã mais nova de nove anos.

Como é proibido se lecionar a língua curda nas escolas do país, há dois anos a pequena vem ensinando, numa sala de aula improvisada em sua casa, a língua e história curda aos seus amigos da vizinhança. De domingo e segunda, de quatro a cinco horas, ela ministra suas aulas preparadas com informações recolhidas da internet.

Jornais turcos e curdos, bem como políticos do DTP, já vieram prestigiar a jovem professora.

Mais tarde, voltamos para a manifestação, que se estenderia até às 22h. Medya vestiu as tradicionais roupas curdas, shalshabeck (calça e camisa) e shitock (lenço que serve de cinto) e em sua testa ainda era possível ler a sigla DTP invertida (a garotinha havia escrito os dizeres com a ajuda de um espelho).

Mamoste Medya - Professora Medya


Eu estava com receio de sermos surpreendidos pela polícia (os curdos são proibidos de usarem roupas tradicionais e de fazerem manifestações culturais publicamente), mas felizmente nada aconteceu.


-----------------------------------------------------------------------

Terrorista é a Al Qaeda

Certo dia fomos à sede do DTP na cidade. Abdullah Demirbas, ex-prefeito da cidade e atual secretario das manufaturas, recebeu-me para uma conversa bem rapida. Perguntei-lhe sobre a relação entre seu partido e o PKK. Ele me disse que são organizações distintas com os mesmos objetivos. A diferença consiste no fato de que o DTP segue as leis turcas, já o PKK não.

Repliquei se o PKK seria, então, uma organização terrorista. Ao que ele respondeu que não. Por fim, quis saber se o objetivo final do DTP era a criação de um estado curdo. Respondeu-me que, no século XXI, mais importante do que a criação de um novo estado, é a ampliação dos direitos da população curda na Turquia.

No jornal, encontrei um outro líder do DTP que afirmava, “é preciso ter cuidado com o uso da palavra terrorista. Deve-se diferenciar o PKK da Al Qaeda. O PKK só existe por conta da opressão do governo turco”.

Mas a Al Qaeda só existe por conta do imperialismo americano, nao? Esta lógica do opressor-oprimido sempre me oprime. Não seria o caso de pensarmos que, no século XXI, deveríamos saber que os fins não justificam os meios? Ou melhor, de saber que “a essência do esforço moral consiste em tentar ser justo numa sociedade injusta”, parafraseando Olavo de Carvalho?

No comments: