Monday, May 4, 2009

Beirute: a capital mais cosmopolita do mundo árabe – Síria e Líbano

Cruzar a fronteira síria me preocupava. Apesar de não ter o visto israelense em meu passaporte, temia que os oficiais desejassem revistar minhas coisas e dessem de cara com meu diário, cheio de menções a Tel Aviv, Jerusalém e Cisjordânia.

Além disso, tanto a embaixada síria em Cairo quanto a em Aman me disseram a mesma coisa: “Não emitimos visto para estrangeiros não residentes.” E completavam, “Inshah Allah, você o consegue na fronteira.” Essa coisa de ouvir “Se Deus quiser!” pra isso e pra aquilo sempre me incomodou. Quando se busca um profissional, um oficial ou funcionário de alguma organização, espera-se mais do que a vontade divina.

Tive a mesma frustrante sensação de uma das personagens do livro “A Cidade do Sol”, de Khaled Hosseini. Ao levar a esposa ao hospital, o doutor responde à pergunta do desesperado marido, “Inshah Allah, ela vai ficar melhor!”. O cara pensa, “Qualé, doutô! Eu tô te pagando pra ouvir algo além de `Inshah Allah`.”

De qualquer maneira não me restava outra opção. Assim, chequei meus pertences umas quatro vezes e me desfiz de todas as coisas relacionadas a Israel – moeda de um sheikel, pacotinho de café instantâneo, bilhetes de ônibus e, o mais difícil, uma página do meu diário em que um francês havia desenhado a bandeira israelense.

Por conta da incerteza, achei mais seguro pegar um táxi, de Aman a Damasco, do que um ônibus. Ao menos poderia pagar o motorista no final da corrida e ele, com certeza, esperaria-me até o término do processo. Se eu rodasse, poderia pagar o valor equivalente só até a fronteira ao invés de até Damasco.

No final, foi tudo muito tranquilo. O oficial sírio apenas se certificou de que não havia nenhuma evidência de passagem por Israel em meu passaporte e me concedeu o visto. Nenhum dos meus pertences foi revistado e o processo todo durou menos de 15 minutos.

Vou escrever meus comentários e impressões sobre a Síria no próximo post, porque nesta ocasião passei apenas dois dias em Damasco antes de me deslocar para o Líbano.

Depois da tentativa bem sucedida na fronteira sírio-jordaniana, senti-me mais seguro para cruzar a sírio-libanesa e decidi pela opção de transporte mais barata, isto é, o ônibus. O oficial libanês estava mais cismado do que o sírio, e ainda me perguntou, um tanto ingenuamente, “E depois? Vai pra Jerusalém?”. Pensei, “Não, eu já fui!”, e respondi, “Não, Irã.”

Antes de chegarmos a Beirute atravessamos a cadeia de montanhas libanesas. Chovia muito e havia nevado – os cedros, símbolos nacionais, ainda estavam cobertas de branco.

Desembarquei na capital por volta das 16h. A chuva persistia e coloquei meu poncho. Após duas horas e meia caminhando encontrei um hotelzinho por cinco dólares – apesar das opções de hostels do Arukikata (guia de viagem japonês) serem mais baratas do que as do Lonely Planet, mesmo aquelas consumiriam todo meu orçamento diário.

O hotel era uma zona. Pelo menos quinze homens, a maioria acima dos cinquenta anos, dividiam um apartamento de 100 metros quadrados. Além das camas em quatro pequenos quartos, havia um par delas espalhadas no corredor.

Fiquei num quartinho com mais dois senhores, um deles devia ter uns setenta e poucos anos e vendia santinhos à porta de igrejas. Ao lado de minha cama havia uma janela com vidro quebrado em que colocaram um cobertor para impedir que o vento gelado entrasse no quarto. Os lençois estavam encardidos e percebi que seria o caso de usar o saco de dormir.

Na pia da cozinha não havia bucha nem sabão para lavar louça. Um homem lavava um prato somente esfregando a mão direita sobre sua superfície. Já o banheiro… foi o meu único consolo. Apesar de não haver chuveiro, tinha vaso sanitário.

Para mim, que cresci com o Mundo da Xuxa e a didática do meu troninho, ver aquela invenção do mundo ocidental foi um alento. Sinceramente, nunca tive a objetividade e o equilíbrio necessários para utilizar aqueles buracos no chão.

----------------------------------------------------------------------------

Se por um lado os inúmeros cafés ao estilo europeu, lojas de grife, restaurants, bares e discos do centro de Beirute parecem revelar a mais secular e cosmopolita capital do mundo árabe, por outro, a instabilidade política de um país que viveu por 15 anos em guerra civil ainda persiste e caminhar sozinho pelas periferias da capital pode ser perigoso (conheci um fotógrafo polonês que foi sequestrado por 48 horas pelo Hizbullah).

As marcas da guerra são visíveis em inúmeros prédios abandonados caindo aos pedaços. Há soldados por todas as partes e inúmeras vezes trombei com tanques de guerra no meio das ruas da capital libanesa.

No dia 16 de fevereiro, na noite em que cheguei, o principal líder do Partido de Deus (Hizbullah), Sayyed Hassan Nasrallah, fazia um discurso por meio de vídeo conferência a uma multidão de partidários reunidos no subúrbio de Beirute.

No âmbito da política interna, Nasrallah tentou acalmar os ânimos de seus seguidores para evitar conflitos com membros de outros partidos, fazendo alusão à morte de um jovem militante do Partido Progressista Socialista no sábado anterior. Em relação à política externa, defendeu o direito de as “forces da resistência” terem “armas de proteção antimíssel” contra Israel, o qual “não faz questão de promover a paz.”

-----------------------------------------------------------------------------------

No Líbano, também visitei Tripoli e Khiam. A primeira é uma cidade ao norte do país, famosa por seus ‘souqs’ – bazares - compostos por perfumarias, joalherias, sapaterias, fábricas de sabão, casas de condimentos…

A segunda, fica ao sul do país. Faz parte do território desocupado por Israel em 2000. Precisei solicitar uma autorização na base military de Saida, a qual nada mais era do que um pedaço de papel rascunho escrito a mão.

Fui até Nabatiyeh, a 30 km de Khiam, e de lá peguei um táxi com soldados que estavam indo até a fronteira com Israel. O táxi nos deixou a oito quilômetros da cidade. Para nosso azar começou a cair um toró, mas para sorte dos soldados, um caminhão do exército logo em seguida passou por nós. Continuei a caminhada sozinho, esperando que alguma boa alma se compadecesse de minha molhada situação.

Enquanto caminhava à procura da antiga prisão de Khiam - hoje um museu – mantida pelas forces do South Lebanese Army de 1985 a 2000 com a conivência do Exército de Israel, contei uns sete veículos, entre caminhões, carros e tanques, das Nações Unidas.

Subindo as íngremes ruazinhas da cidade passei por grandes sobrados destruídos e abandonados por conta da guerra contra Israel em 2006. Algumas bandeiras rasgadas do Hizbullah e da Amal (partido político xiita) ainda flamulavam penduradas em postes elétricos.

O primeiro estabelecimento comercial que encontrei aberto foi uma casa de materiais de construção. Por sorte havia uma mocinha que falava inglês e pôde me indicar o caminho. Já eram quase 16h, esfriava cada vez mais e uma fina garoa se revezava com fortes pancadas de chuva.

Depois da carona de um gentil senhor, cheguei à prisão. O zelador levantou de sua cama e me mostrou uma salinha com alguns resquícios da guerra de 2006: pedaços de mísseis lançados por Israel, cabos elétricos utilizados para a tortura dos prisioneiros e fotos da IDF. Em outra sala menor, souvenirs do Hizbullah, tais como broches, bandanas e bandeiras, estavam à venda para turistas.

Como ainda chovia, fazia no máximo uns dez graus Celsius e meu corpo estava ensopado, achei melhor pagar um táxi até Nabatiyeh do que tentar carona. Paguei dez dólares a um senhor que me pareceu muito simpático.

Ele falava inglês e o considerei como um guia em Khiam, dado que até aquele momento não havia conseguido nenhuma informação sobre a cidade por meio de seus moradores.

Foi por esta razão que achei que poderia aguardar alguns minutos quando ele me disse que esperaria por algum outro potencial cliente para ajudar nos custos da corrida ao parar no acostamento da saída da cidade.

Quase uma hora depois, quando já não havia mais assunto a ser discutido a não ser seu rancor por palestinos e israelenses, indispus-me a esperar mais. No final das contas, o cara me arrumou uma carona até Nabatiyeh, destino ao qual, supostamente, ele havia sido pago para me levar.

Por sorte, Abbas, o rapaz que foi parado pelo taxista, estava indo a Beirute e me deu carona até o meu hotelzinho.

Chengado lá, só queria saber de tomar um banho quente. Depois de três noites naquele lugar, finalmente descobria como o banho de água quente funcionava: na base da hora marcada. Esperei uma hora e meia e me banhei com canequinha.

No comments: