Monday, May 5, 2008

Agora ou nunca

Acabo de receber um inesquecível presente que tem enorme significado nesta fase preparatória. A japonesa sambista mais simpática que conheço, Satomi, entregou-me um cartão com a seguinte frase em japonês:
Diz algo do tipo: "se não fizer agora, não fará nunca." Pô, que incrível, isso é o que mais falo pra minha mãe quando ela me diz: "mas filho, você vai poder viajar depois. Seu trabalho vai fazer com que você viaje bastante."

A fala de minha mãe traduz as preocupações e expectativas de meus (acho que de quase todos) pais. Posso compreender, dado que dos recém-formados que conheço da GV, apenas um resolveu viajar - e para estudar japonês. Mas não consigo concordar.

Isso tudo me fez lembrar de uma teoria desenvolvida por Ricardo Semler sobre "tempo livre - dinheiro - vitalidade em função do tempo vivido (da idade)" para as convenções da sociedade atual. Se representarmos estas três variáveis em um gráfico, teríamos:



Assim, observamos que:


1 - O gráfico do tempo livre em função do tempo vivido (idade) tem uma curva côncava com ymin entre 30 a 40 e poucos anos, isto é, a fase na qual temos menos tempo livre se dá neste intervalo de idade. Só por este gráfico concluímos que o período de maior ócio de nossas vidas é na infância-adolescência e depois de aposentado.

2 - Já o gráfico do dinheiro em função do tempo vivido tem uma curva exponencial ascendente. Isto significa que temos mais dinheiro para gastar conforme ficamos mais velhos até um limite superior que se dá próximo à fase de aposentadoria.

3 - Por fim, o gráfico de vitalidade em relação ao tempo vivido possui uma curva convexa com ymax entre 20 a 30 anos, ou seja, é neste período em que nosso organismo está mais desenvolvido e que a nossa força vital está mais propícia para a realização de atividades físicas.

Ao analisarmos os três gráficos juntos, concluímos que:

1 - A fase em que se tem mais dinheiro constitui o período em que se há menos vitalidade e tempo livre (recordo-me de um professor da GV contando a história do dono de uma corretora que desfrutava, pela primeira vez, um passeio a barco. Detalhe n. 1: o barco era do cara há alguns anos. Detalhe n. 2: por conta do estresse diário, suas mãos não paravam de tremer, esboçando um pouco de seus problemas cardíacos).
2 - Quando temos mais vitalidade para enfrentar jornadas de viagem, estamos com menos tempo por conta da preocupação de ganharmos dinheiro, de alicerçamos à carreira. É nesta fase que faremos viagens a trabalho com intervalos de sol, mar, praia e balada (as referidas viagens de negócio-turismo de minha mãe).
3 - O período em que temos mais tempo livre felizmente constituí o que temos mais dinheiro, mas infelizmente contituí também o que temos menos vitalidade (o início de nossas vidas não conta. Nessa fase, viajar significa ir à Walt Disney ou, mais humildemente, ao Beto Carrero). Eu particularmente não quero ser um daqueles velhinhos japoneses que pegam a esposa, compram mochila e equipamento na Decatlhon, fecham um pacote turístico para Foz do Iguaçu ou Cairo e mandam cartões postais para os filhos e netinhos.

Achei a explicação coerente com a realidade e, por sua vez, julguei a realidade incoenrente com meu propósito de vida. Leiam bem: com o MEU propósito de vida. Tenho muitos amigos da GV que seguem esta realidade, mas percebo que eles estão sendo coerentes com seus anseios. Mais que isso, percebi que é possível não se acomodar com as conveções da sociedade mesmo as seguindo. E o que me perturba mais não são as convenções, mas sim a passividade frente a elas.
O Chinês é exemplo disso. Voltou da China há pouco tempo e procurou um trabalho que se adequasse às suas expectativas. Estava empolgado com um processo seletivo para uma empresa de trading de commodities, passou e vai receber treinamento em Cingapura.
A viagem que farei não é passível de ser realizada em um circuito de trabalho pela Ásia, por exemplo. Isso porque o que quero fazer, na minha opinião, não se trata de turismo. Mochilagem e turismo são mais diferentes pelos métodos, pelo estilo, do que pelos destinos. É por isso que farei esse gap year antes de iniciar minha vida profissional. Espero que tudo isso possa ser compreendido no decorrer dos futuros posts. Se não for agora, nunca farei.

Sunday, May 4, 2008

Prólogo desta capoeira

Paulo Vanzolini compôs uma bela canção chamada "Capoeira do Arnaldo". Nela, narra a história de um homem que sai de sua terra natal para viajar por aí (talvez não seja por aí, mas sim para a cidade grande).

Não sou Arnaldo, não passei frio nem passei fome, não me sinto um passarinho fora do bando (ao menos por enquanto, dado que ainda não saí por aí). Também não deixo, ao partir, noivas sem marido, crianças sem pai. Mas acredito que, em sua essência, a música tem muito a ver comigo.

As pessoas podem não entender, podem achar que o desejo de viajar pelo mundo apenas com uma mochila seja falta de perspectiva, busca de si próprio ou fuga da realidade. Afirmo com convicção que, acima de tudo, trata-se de uma ESCOLHA. Diga-se de passagem, uma escolha repleta de reflexões, não muito diferente da escolha da profissão.

É evidente que o processo todo se inicia com as fagulhas de inspiração que refletem nossa inclinação para tal. Trata-se do início da revelação do desejo de "viajar, viajar/ mas para parte nenhuma.../viajar indefinidamente...". E isto é muito difícil de se explicar, porque a decisão de "viajar, viajar" não se calca na escolha do destino, mas sim nas experiências que a viagem em si proporcionarão. Nesta etapa, não posso deixar de agradecer ao João Zanini, Cássio Puterman e Allan Grabarz pelas conversas, fotos e relatos de viagem que, tal como vírus, me contagiaram.

E desta forma, dado que a vontade de ter a mochila como companheira é maior do que a necessidade de uma cama cativa e uma dezena de cuecas limpas, passa-se à avaliação daquilo que fica para trás. Não se pode negligenciá-la, já que se trata de questão mais complexa do que abdicar de coisas materiais.

É difícil ter uma dimensão do tempo que transcenda as 24 horas diárias pessoais. Talvez não 24 horas, mas seis meses, um ano, dois anos de sua vida particular que devem ser multiplicados por uma dezena de pessoas tão significativas em sua vida que se torna penoso estar ausente, ainda que como figurante. A isto me refiro às formaturas, rodas de samba, carnavais e os outros tantos acontecimentos que são impossíveis de prever.

Sobre estes eventos que provam nossa insuficiência, é que vem a maior aflição de pegar a estrada. Sem dúvida não faltarão momentos em que estarei apenas com a mochila, a roupa do corpo e a consciência. E assim, quando a língua portuguesa estiver apenas em meus pensamentos e o escuro da noite me fizer companhia, veremos se é verdade que a força vem da solidão. Todas as outras experiências serão mais fáceis e agradáveis (em condições normais de mochilão).

Finalmente, vem a angústia dos preparativos. Feito o pé-de-meia, tomadas as vacinas, renovado o passaporte, adquirido o visto (se for o caso) e estudado ligeiramente o roteiro, resta apenas lidar com a expectativa (para não dizer aflição) dos pais e amigos íntimos, enfrentando os habituais questionamentos tratados nesta breve apresentação.

Particularmente, quando alguém me pergunta o porquê disto tudo ou a razão de não escolher um roteiro mais convencional, simplesmente respondo com aquilo que comecei este prólogo: pela viagem em si, pela travessia em si. É a "onipresente ansiedade": há tanto a ser visto (cinco continentes), conhecido (refiro-me às pessoas, quase sete bilhões de pessoas) e sentido (não sei quantificar) em tão pouco tempo (66,7 anos, conforme expectativa de vida brasileira do Censo 2000). Espero que fiquem comigo nesta capoeira... "Vamo-nos embora, ê ê/Vamo-nos embora, camará/Presse mundo afora, ê ê/Presse mundo afora, camará."


P.S.: Curiosamente, ao tentar identificar o autor de uma frase que guardo na memória, algo do tipo "nem o ponto de partida, nem o de chegada importam. Importa a travessia", vejo Rubem Alves fazendo o inverso: metaforizando (em meu caso, apenas comparei) a escolha da profissão por meio da idéia de viagem. Clique aqui para ver o texto .