Thursday, July 31, 2008

Centro-Oeste: o encontro do Brasil com a sua grandeza

Depois de ter dormido no CETREMI, que sem dúvida deve ter deixado vocês de perna bamba (piadinha tosca, mas eu precisava fazer), e postado para o blog, passei a planejar a Expedição Pantaneira no aconchegante lar de minha prima Noeko.
Já havia feito uma pesquisa rápida com alguns guias turísticos que curtiam seu happy-hour à frente de um bar, e, evidentemente, constatei que a diversão proposta nao cabia em meu bolso (cerca de R$250,00 para um passeio de cinco dias que incluía pesca de piranha, passeio a cavalo, refeições e hotel fazenda). Tentei analisar opções, o que seria impossível com aqueles guias ávidos por violar meu orçamento.
Possuía em minhas mãos um excelente mapa da Estrada Parque Pantanal Sul, principal destino das agências de turismo de Campo Grande e única estrada que ligava Corumbá a CG no século XIX, e julguei que seria possível atravessar seus 120km de extensão caminhando e pegando carona. O período não era de chuva e o único empecilho era o fato de que não havia mais balsa que atravassasse os carros no R. Paraguai, localizado mais ou menos na metade do caminho.
Assim, tracei o seguinte plano:
- Pegar uma carona até o início da Estrada Parque pela BR 262 que liga Campo Grande a Corumbá;
- percorrer seus 120 km em dois dias, sendo que eu dormiria na margem do Rio Paraguai e o atravessaria de lancha com algum pescador lá presente;
- tentar carona em Corumbá ao final da jornada.
Recebi muitas recomendações para que eu não realizasse o percurso por conta da escassez de carros que transitam na região, além do perigo proporcionado pelos animais selvagens, mas a discriminação detalhada de fazendas e hotéis que havia no mapa em meu poder me fizeram acreditar que o trajeto seria exeqüível a minha maneira, não faltando carros para carona, nem cantinhos habitados para dormir.
Assim, na quinta-feira acordei cedo, tomei um ótimo café-da-manhã e minha prima e seu filho (Rique) me levaram ao posto de gasolina na saída para Corumbá. Naquele momento de despedida percebi o quanto esta viagem proporcionou o estreitamento de relações com parentes que não via há pelo menos oito anos. E ainda que uma situação normal de viagem, em que eu estivesse tirando férias e seria levado a um aeroporto ou rodoviária, não gerasse tamanha união, ficaria menos envergonhado ao ver a preocupação nos olhos de meus primos.

Três horas e meia depois conseguiria uma carona em um caminhão que ia direto para Corumbá pela BR 262. Deixei em Campo Grande a acolhida de meus familiares, a coceira do CETREMI e algumas roupas desnecessárias (ceroula e blusa de frio).
Desci a 180km de Corumbá, por volta das 16h30, bem na boca da estrada pantaneira. Como faltava pouco para escurecer, precisava de uma carona que me desse uma boa dica de local para passar a noite. Um outro rapaz também aguardava alguém que pudesse levá-lo para o interior da Estrada Parque, seu nome é Gilmar, tratorista da Fazenda São Bento. Ele havia ido a uma cidade próxima, Miranda, para resolver algumas coisas e tentava voltar a tempo para pegar no batente às 18h (trabalhava num esquema parecido com o meu no Japao: uma semana de dia, outra de noite - das 6h às 18h, ou das 18h às 6h).
Sugeriu-me que falasse com seu patrão, o gerente Célio, o qual poderia arrumar uma habitação até o dia seguinte. Assim, às 17h30, graças aos dois, estava fazendo meu primeiro tour pelo Pantanal na carroceria de uma L200 nas terras de um ente da família Ermírio de Moraes. Naquele momento compreenderia que ir ao sítio do meu tio e ficar em meio ao cafezal não significava estar envolto pela natureza. Admirando tuiuius, colhereiros, carcarás, araras-vermelhas, tucanos, papagaios e quero-queros, lembrei-me de meus amigos aficcionados por drosófilas e angiospermas (Bruno Che e cia): sem dúvida teriam com que se divertir.
A lua cheia banhava com sua luz a planície pantaneira, o horário era muito propício para se observar os pássaros e, a 100 km/h de pé na carroceria, eu imaginava o meu rosto como um pára-brisa de caminhão: os insetos batiam na cara e o menor dos problemas era de algum mosquito entrar na boca, dado que a chance de um deles pegar nos olhos era maior.
Por volta das 18h30 chegamos na sede da fazenda. Na janta, aproximadamente às 19h, os funcionários conversavam sobre a onça de 92kg que foi capturada durante a manhã pelo grupo de biólogos (http://www.procarnivoros.org.br) que realizavam uma pesquisa para averigüar os efeitos do animal no rebanho de gado. Já haviam pegado seis onças, mas ainda restavam mais quatro coleiras rastreadoras a serem instaladas.
Dirigi-me à sala de televisão do alojamento dos tratoristas e pecuaristas. Passaria a noite em um sofá, muito confortável por sinal, porque todas as camas estavam ocupadas. Antes de dormir, assistiria à novela do SBT, Pantanal, contente de ser um coadjuvante daquele estilo de vida tão peculiar que por si só parece promover o ibope da telenovela.
Acordei às 5h15 junto com os funcionários. Comi meu gohan da manhã, um delicioso arroz carreteiro, e saí para minha cruzada antes das 7h. Logo na porteira da fazenda tive de atrasar em 30 minutos o início da expedição por conta de uma boiada. Eram 1000 cabeças de gado para seis pecuaristas que viajariam por um mês e meio num ritmo de 15km por dia (lembrei-me com vergonha da vez que tentei deslocar seis bezerros em Yuba... vergonhoso).
Caminhei até às 10h30 quando peguei uma carona com uma Hilux. Não é de se surpreender que eu tenha pegado carona em L200, Hilux e Ranger na Estrada Parque. Primeiro, porque 90% dos carros que por lá trafegavam eram de fazendeiros ou donos de pousada da região. Segundo, porque como a média de carros por hora que passavam na estrada era de aproximadamente um, havia uma maior empatia do motorista em relação ao andarilho.
Fui com a Hilux até a Curva do Leque. Eram 11h e ainda restavam 16km até o Rio Paraguai (Porto da Manga), local onde havia planejado passar a noite. Achei que poderia fazer o trajeto restante a pé e decidi não pedir carona a partir dali (a decisão nem foi necessária, dado que passaram tão poucos carros). A paisagem ao redor da estrada se tornaria mais paludosa, com jacarés, capivaras e sucuri ao invés das cercas e dos gados de até então (o que tornava menor a quantidade de pessoas na região). Era divertido e até complacente para a minha solidão ouvir o gemido de uma capivara, o qual eu interpretava como um "lá vou eu...", antes de saltar para o seu tibum água adentro por conta de minha presença.
Também era muito comum ver na estrada carcaças de jacaré sem rabo (retirados para se comer) e de capivaras sendo saboreadas por carcarás. Na fase final do percurso, próximo ao rio, retirei as botas para cruzar trechos alagados da estrada que chegavam a ter água até a altura do meu joelho (foi nessa hora que avistei uma sucuri).
Às 15h30 chegaria no Porto da Manga. Nunca havia andado mais de 10km em um dia (foram cerca de 28km), estava exausto. Como os empreendimentos comerciais da margem em que eu estava do Rio Paraguai tinham todos falido, foi fácil encontrar um lugar para dormir. Havia umas 20 pessoas por lá, uma delas era Seu Nenê, responsável por tomar conta do que restou. Ele me deixou dormir no salão de um antigo boteco.
Com um grupo de cinco pescadores paranaenses, quase todos aposentandos, consegui colchão, comida e água. Fiquei muito admirado com a disposição dos caras, que viajavam em um ônibus-trailler com os seguintes dizeres em seu vidro traseiro: "Não tenho pressa / Estou em Casa / Sou de vagar / Plante árvores". Antes, no lugar desta última frase, havia esta outra "Bar doce bar" que foi trocada para evitar problemas policiais.
Tomei banho no rio, pesquei alguns lambaris e alimentei as piranhas na tentativa de pescá-las. Antes de (tentar) dormir, comi o pintado cozido e o sashimi de piraputanga dos paranaenses, tudo acompanhado de uma lata de Bohemia bem gelada (façanha dos caras que tudo tinham naquele impressionante ônibus-trailler).
No barco Aguapé, a esquadra saía apenas das 18h às 19h30, já no Porto da Manga o ataque do pernilongos era constante. O velho e conhecido repelente Off parecia já ter sido assimilado pelos bichinhos. Não podia sequer tentar me esconder no saco de dormir porque o calor era insuportável Talvez fosse o caso de procurar o repelente do exército francês que Fábio Zanini usou na África (recomendo seriamente: http://penaafrica.folha.blog.uol.com.br/), mas acho que enfrentaria o problema de sempre: meu controle orçamentário (isto se o encontrasse na praça).
Logo pela manhã do dia seguinte, sábado, cruzaria o Rio Paraguai numa lancha e pegaria carona até Corumbá. A dor de minhas pernas não permitiria que eu pensasse duas vezes em não terminar os 60km restantes de carro. Assim, na carroceria da Ranger certamente a mais de 100km/h, sentiria duas coisas bem distintas: a primeira, a emoção de observar um ipê com flores rosas romper com a homogeneidade verde pantaneira. Naquele momento, não se tratava de admirar uma paisagem recorrendo a lembranças pessoais ou imaginando quem poderia estar ao meu lado. Tudo aquilo me foi interessante e único porque eu via exatamente um ipê com flores rosas no Pantanal Sul Matogrossense. A segunda sensação, era a dor de meu quadril por conta do trepidar do carro. Para se ter uma idéia, me sentia a esfregar a calça no tanque de lavar roupas estando-se dentro dela (sim, é bizarro, mas foi essa a sensação). Mas isto não foi suficiente para retirar a beleza e a diversão de se subir a Morraria do Rabicho tendo a vista panorâmica da planície paludosa que acabara de atravessar.
De Corumbá fui a Arroyo Concepción para verificar os preços das câmeras. Haviam falado muito sobre a pobreza boliviana, mas não julguei a cidade mais carente do que Porto Casado no Chaco Paraguaio, por exemplo. No final, acabei não comprando nada, mas valeu a visita.
Tentaria retornar a Campo Grande no mesmo dia, apesar de não conseguir nenhuma carona de caminhão no posto fiscal. Ao menos pude conhecer dois funcionários da MMX que me falaram orgulhosamente sobre a empresa.
Chegaria em Campo Grande às 21h30 e às 23h30 na rodoviária. No saldo de caronas, apenas carros: os caminhoneiros realmente receavam transportar um jovem que poderia portar drogas por conta da fronteira com a Bolívia. Como não havia conseguido falar com minha prima, decidi que passaria a noite na rodoviária, em frente ao posto policial. A uma da manhã, fui acordado por um policial que me avisou sobre a kombi do CETREMI. Achei mais seguro passar o restante da madrugada lá e fui, pela última vez, enfrentar a clínica de reabilitação.

No dia seguinte, domingo, acordei antes da sirene de despertar, às 5h30, para pegar carona com um funcionário até a saída para Cuiabá. Fiquei em um trevão no qaul os veículos passavam a uma velocidade muito alta para se conseguir carona. O posto mais próximo estava a uma distância muito grande que não poderia fazer a pé. Acabei ficando lá mesmo com o polegar levantado, achando improvável conseguir uma carona, aliás, não a desejando, dado que no fundo queria uma vez mais ficar com minha família.
Fiquei naquela posição por cerca de duas horas e meia (eram quase 9h da manhã), quando achei que já era suficientemente tarde e poderia me dirigir ao Parque das Nações Indígenas, próximo à casa de minha prima, tirar um breve cochilo e ligar para ela. Como sempre, fui muito bem acolhido. Naquela tarde desfrutei uma saborosa feijoada no clube Nipo-brasileiro de Campo Grande. Aliás, sem dúvida alguma, as melhores refeições que fiz durante a viagem foram por conta da família Mitsuyasu (Obrigado!)! Também fui presenteado com uma Cybershot que ela não usava mais e que tem me servidomuito bem. Agradeçam a ela pelas fotos que aqui publicarei.
Na segunda-feira, ambos tivemos menos dificuldades em nossa segunda despedida. Um frentista evangélico me ajudou e consegui carona em menos de 30 minutos sem fazer uma tentativa sequer. Fiz questao de ligar para a minha prima, ainda que fosse a cobrar (sempre cara-de-pau, agradeço pela resignação de tantos de vocês). Naquele momento, após conseguir uma das caronas mais fáceis de minha vida, refleti a respeito dos aprendizados proporcionados pela estrada. Talvez ela seja uma boa mestra não somente por te apresentar situações ímpares, mas porque ela te deixa realmente sensível para que se possa aprender e se emocionar com tais situações. Daí o fato de que, mesmo quando fácil, é impossível banalizar o significado de uma carona - de um gesto de solidariedade (neste caso, três: da minha prima, que pensou no melhor local para se conseguir a carona; do frentista, que me garantiu que iria consegui-la para mim; e do caminhoneiro, que confiou na palavra do frentista).

Seu José Maurício é o primeiro caminhoneiro que conheço que tira os sapatos para entrar na cabine. Atitude totalmente sensata, dado que se trata de seu lar por ao menos 26 dias no mês. Com ele planejava chegar em Cuiabá, mas o posto fiscal da divisa de MS com MT não permitiu.
Senti na pele o atraso que é para as transações comerciais a cobrança de ICMS no Estado de destino. Chegamos às 16h no posto e as notas começaram a ser averigüadas e lançadas somente após às 21h. Se não bastasse, às 22h45 descobriríamos que havia uma pendência fiscal. Resultado: dormiríamos lá; Seu Zé no caminhão, eu no banco em frente ao guichê.
No dia seguinte, às 7h, agradeci-lhe, mas pedi licença para procurar outra carona. Continuaria o restanet da viagem com o caminhoneiro Valério e chegaria em Cuiaba por volta das 13h. Fui até o centro da cidade de onibus, porque ainda me doiam as pernas, e passeei pelo centro até escurecer. Um senhor me levaria de carro até o albergue público da cidade. Infelizmente para mim, mas felizmente para os já albergados, a cidade contava com um verdadeiro centro de triagem que separava os casos de alcoólatras e drogados, dos migrantes e moradores de rua, mas as assistentes sociais só atendiam até às 17h (quando cheguei no centro já eram 19h). Assim, o Cabeça-Branca, funcionário do centro, disse-me que não poderia passar a noite nos albergues (para moradores de rua e migrantes), mas, caso desejasse, arrumaria-me um colchão no próprio centro (para drogados, alcoólatras e retardatários como eu).
Antes mesmo de iniciar meu questionário para reconhecimento da instituição, Cabeça-Branca me disse, ao saber que já havia dormido no CETREMI de Campo Grande: "Aqui é pior do que o CETREMI". No mesmo instante, veio-me à memória a música de fundo escolhida (de maneira infeliz) para a apresetanção da montagem fotografica na minha cerimônia de colação de grau: Rehab, de Amy Winehouse, "They tried to make me go to rehab / But I said 'no, no, no'". Olhei para o Sr. Carrasco e implorei, "O senhor pode me levar na rodoviária". A rodoviária era muito mais tranqüila e segura do que a de Campo Grande. Apenas teria de dormir sentado mais uma vez.
No dia seguinte pegaria um ônibus até a Chapada dos Guimarães (R$14,50 ida e volta). O parque da Chapada estava fechado por conta de um acidente que ocorrera meses atrás e as opções de trilhas e passeios estavam muito reduzidas, além de serem inacessíveis para o meu orçamento. Restou-me a opção de fazer 16km a pé em direção à Cuiabá apreciando as paisagens que rodeavam a estrada.
Logo na saída da cidade conheci um retirante baiano, Seu José, que já estava no Estado há alguns anos. Havia terminado um serviço numa cidade próxima e desejava tentar a sorte em Sorriso, cidade no Norte do Mato Grosso que tem crescido muito por conta da agricultura de grãos (há uma matéria boa sobre a cidade em alguma Veja de julho). Não sei há quantas horas ele tentava carona, mas pude perceber seu drama por suas falas desconexas e incoerentes. Convidei-o a andar comigo até um posto de gasolina, onde seria mais fácil a empreitada. Lá, continuou relutante em me deixar, mas insisti que seria mais fácil se esperasse ali.

Seu José vai pra Sorriso.

Continuei caminhando como planejado por mais dez quilômetros, pensando o que haveria ocorrido com aquele moço. Quando estava cansado o suficiente para ter disposição para estirar o braço e tentar minha primeira carona, passa uma velha Toyota-Bandeirante da qual desceu o Seu José a alguns metros a minha frente. Continuaríamos a caminhar juntos até a entrada do Parque Nacional das Chapadas dos Guimarães. Algumas pessoas esperavam o ônibus que ia até Cuiabá. Seu José preferiu ficar lá por conta dos R$10,00 que havia ganho do motorista da Toyota e seriam suficientes para pagar a condução, enquanto eu, decidi explorar o Parque passando por baixo do portão.

Chapada dos Guimarães

A respeito deste meu momento de transgressão, e ainda que seja tosco, só quero registrar que tenho sido o mais legalista possível durante a viagem. É evidente que o difícil mesmo é ser moral, mas coloco este fato no topo de minhas infrações como viajante. Ainda assim, foi otimo caminhar pelo parque deserto, seguindo apenas as indicações das trilhas. Um fato merece menção, apesar de talvez não parecer tão comovedor assim.
Quando tomava banho numa das piscinas naturais do parque tinha noção do perigo que seria experimentar as piscinas mais fundas, pois em matéria de natação, não sei quase nadar de "cachorrinho". Então, concentrei-me nas partes rasas. O azar foi que meu cadeado caiu justo na piscina funda. Fiquei olhando para o cadeado, tentando traçar estratégias para pegá-lo, mas não havia jeito. Era entrar na água, mergulhar e nadar até a margem (que não estava nem a três metros de distância). Cara, quando mergulhei, não conseguia alcançar o cadeado... sequer conseguia saber ao certo onde ele estava. E ao tentar me segurar nas pedras para tomar ar antes de mergulhar novamente, escorregava sem conseguir me sustentar fora d´água.
Finalmente, quando consegui pegar numa parte mais sobressalente da pedra, pude ver ao certo onde o cadeado estava. Mergulhei novamente e consegui pegá-lo. Duvidando de minha capacidade de nadar com ele na mão, joguei-o para uma das margens e nadei para a outra pela qual poderia sair da água. Sem brincadeira, sai mal conseguindo ficar de pé de tanto medo, mas fiquei orgulhoso de mim mesmo por tê-lo retirado daquela fundura (nem 2,5 m).
Ainda que exausto pela operação resgate, resolvi continuar a trilha que me levaria à Cachoeira Véu da Noiva. A vista foi revitalizadora e resolvi voltar para Cuiabá pegando o ônibus das 16h15. Eram 17h30 quando cheguei na cidade e achei que ainda poderia conseguir carona até a cidade de Rondonópolis, acerca de 250km de Cuiabá.

Véu da Noiva

No ponto de ônibus resolvi consultar um soldado do Corpo de Bombeiros sobre a condução que deveria tomar até a saída da cidade. Para meu espanto, o Soldado Francisco não somente tirou minha dúvida, como se interessou pela minha condição de viajante. Expliquei-lhe de que maneira estava viajando (caronas, noites em rodoviárias, orçamento restrito) e ele sacou um dinheiro para me dar. Agradeci, mas disse que não podia aceitar. Respondeu-me que comprasse um refrigerante, o qual não recusei. Quando retornei com o troco, veio o inusitado convite: "Você não quer descansar em casa hoje? Aí amanhã cedo você tenta sua carona."
Foi a primeira vez, durante esta viagem, que recebia um convite como este, e em tão pouco tempo. O soldado não fizera milhões de perguntas para saber minha procedência, formação, tipo sangüíneo, religião, "opção" sexual, simplesmente fez o convite ao perceber que era tarde e eu não tinha onde passar a noite. Diante de tamanha bondade, não pestanejei. Perguntei se ele estava raelmente falando sério e disse que sim, gostaria de passar a noite em sua casa.
Já no ônibus, a caminho de sua casa, ele foi me contando sobre sua história, profissão e família. Falou-me sobre o trabalho do corpo de bombeiros para conter as queimadas da região do Pantanal e do Cerrado; contou-me sobre sua dura juventude nas ruas, quando fugiu de casa, no Mato Grosso, e foi parar no Rio de Janeiro; e me falou com orgulho sobre sua esposa (Janaína) e suas duas filhas (Geovana e Nikoli). Antes de chegarmos, ligaria para casa avisando: "Meu amor, arruma o quarto de hóspedes que um amigo vai dormir em casa hoje."
Quanto tempo você precisaria para convidar alguém para dormir em sua casa? Após ter feito quais perguntas? Foi isso que fiquei tentando me responder. O Soldado Francisco passou por uns bocados muito maiores do que os meus: era muito mais novo que eu, logo que chegou na cidade teve suas coisas roubadas, não tinha a quem recorrer, ficou morando na rua por meses tendo só a roupa do corpo... Seria isso o suficiente para justificar o rápido convite? Talvez sim, talvez ele tenha motivos suficientes para criar alguma empatia comigo; mas até aí, dar todo este voto de confiança em mim... é realmente bondade pura, apesar de ser chavão, não sei como definir.
Enfim, fiz uma ótima refeição (Francisco ficou assustado pelo tanto que comi, hhauhuaha), lavei minhas roupas com OMO e Comfort e conheci a casa (a segunda, aliás) que o soldado e sua esposa constróem nos horários livres para alugar.
No dia seguinte tentaria minha carona para Rondonópolis. Saimos às 6h da manhã e às 8h estava no posto de gasolina à beira da estrada tentando começar a viagem para Goiânia. Naquele quinta, véspera do dia do motorista (25 de julho), bateria meu recorde de horas consecutivas tentando carona: foram quase nove horas, com parada apenas para comer um nutri.
Quando eram quase 16h30, passou pela minha cabeça o dito popular "dia de muito, véspera de nada", mas logo refleti que pensar desta maneira seria muita ingratidão de minha parte com o Soldado Francisco e todos aqueles que haviam me ajudado ate então. Decidi ir ao banheiro lavar o rosto. Aquele gesto me pareceu o momento decisivo da balada... quando, aos 44 minutos do segundo tempo, o cara se olha no espelho do banheiro, sorri para não chorar e pensa: "Vamo, cara! Vamo! Agora vai!". Tendo recuperado levemente o vigor da própria estima, não deu dez segundos e a bola quicou a minha frente na pequena área: "Ei, japonês! Você ta querendo ir pra Rondonopolis?"
Seu Antonio estava com sua caminhonete na oficina, viera para Cuiabá para deixar um amigo no aeroporto quando teve um problema com o carro. Esperamos que o veículo fosse consertado acompanhando os preparativos para o churrasco que seria feito no posto em homenagem aos caminhoneiros, e saímos de lá às 19h30. No caminho pude saber um pouco mais sobre a vida deste interessante senhor. Ele era casado com uma nissei (filha de japonês), tinha uma filha e, assim como o Soldado Francisco, fugira de casa ainda jovem (15 anos) para não ter de crescer sem instrução na roça. Começou como ajudante de obras e em pouco tempo se tornou braço direito do responsável geral da construção. Hoje, possui diversas imóveis alugados e propriedades rurais (uma delas, no Pará, lhe rendeu um mandato de prisão preventiva por conta da morte da freira Dorothy Stang, mas seu envolvimento não foi comprovado).

Família de Seu Antonio e amigos


Como chegamos muito tarde na cidade, Seu Antonio me cnvidou para dormir em sua casa. No dia seguinte, eu ficaria até o almoço para só depois prosseguir viagem. Pela manhã, a casa receberia muitas visitas: um morador de rua muito amigo dos donos da casa, um professor universitário se candidatando a vereador e um comerciante. Todos conversavam igualmente sobre temas que foram da descriminalização das drogas até as eleições de Rondonópolis. Após o almoço, Aderbaldo (se não me engano), o morador de rua, levou-me até o posto de gasolina com a caminhonete de Seu Antonio.

Desta vez a carona não demorou (2h30 no máximo), mas teve um porém que eu não entendi no início. Seu Papagaio (não me recordo de seu nome e depois vocês entenderão o porquê do apelido) em princípio me disse que não me levaria porque estava com a cabine cheia, mas em seguida me chamou dizendo que se eu quisesse poderia ir na carroceria (que estava vazia). Perguntei até onde ele me levaria e se não haveria problemas com a polícia. Respondeu-me que não sabia dizer se seriam 50, 100, 200 km, mas que não seria até Goiânia. Quanto à polícia, disse para não me preocupar porque não veríamos muita pelo caminho.
No começo, achei ótimo ficar sentando em cima de uma lona que estava dobrada na carroceria, de costas para a cabine, a curtir a paisagem, a brisa, o sol de final de tarde. Logo na primeira parada descobriria porque o homem não queria que eu fosse com ele na cabine. Ao seu lado estava um louro, o qual trazia desde o norte do Mato Grosso. E o papagaio era a razão de tudo sempre: se parávamos, era porque o louro precisava de ar-fresco; se o homem comprava bolo, era porque o louro estava com fome; se pegávamos água, o louro devia estar com sede...
Às 23h, paramos em um posto para dormir. O Sr. Papagaio e seu bichinho de estimação na cabine, eu e minha lona como colchão na carroceria. A noite estava estrelada e achei divertidíssimo dormir ao relento.
Pegamos a estrada bem cedo e por volta das 11h, quando chegavamos perto do trevo em que deveria descer para seguir no sentido de Goiânia, Seu Papagaio preferiu continuar em direção a um outro trevo 300 km a frente, já no Estado de Minas Gerais, acreditando que lá seria mais fácil de conseguir carona. Como estava na carroceria, não pude contestar. Ao meio dia já nao aguentava mais ficar naquela carroceria. O calor vinha do sol a pino e do vento quente que batia nas minhas costas por conta do motor do caminhão.

Na carroceria do caminhão do Seu Papagaio por 800km+/-

Faltavam apenas 30km para saltar e estava acompanhado de Churchill quando o fato imaginado aconteceu. Ao ver a luz piscando, nem pensei que se tratasse do exército alemão que via saltar das páginas daquela biografia (apesar de Seu Papagaio também tratá-la como impiedosa). Já tinha a certeza de que era a Polícia Militar Rodoviária mineira. Naquele momento, não que eu quisesse, sai dos fundos do palco e tirei os holofotes do caro amigo louro, por sorte do Sr. Papagaio. Assim, a impiedosa PM mineira lhe conferiu uma multa, mas meu momento de estrela foi o suficiente para despistar o crime ecológico que o caminhoneiro estava cometendo. No final, acabei fazendo os quilometros restanets na cabine, ao lado daquele com quem dividi atenções.

Pegaria mais duas caronas até chegar em Goiânia as 23h. Estava muito tarde para procurar um lugar seguro para dormir, mas felizmente a rodoviária era muito boa (a única que conheço que fica dentro de um shopping, ou que tem um shopping dentro, sei lá). No dia seguinte, achei merecido dormir em um colchão e estava disposto a pagar o valor de meu orçamento diário. Caminhei em torno da rodoviária procurando algum hotelzinho barato (e, se possível, com café da manhã). Havia muitas pensões e hotéis por conta da feira hippie que reúne mais de 6.000 feirantes aos domingos na praça a frente da rodoviária, mas nenhum estava disposto a me ofertar o quarto por R$8,00.
Como já aprendi a ser paciente e a não aceitar de cara um negócio, continuei andando até achar um quartinho de hotel que coubesse no meu bolso. O preço correto era R$13,00 com café-da-manhã, mas por se tratar de um cubículo com cadeado que me lembrava o do meu cofrinho de infância, o moço me fez por R$10,00 o quarto, o café-da-manhã e o dinheiro do busão para o dia seguinte (R$2,00). Acharam bom negócio, não é? Mas não foi... acabei nem dormindo lá, e isto porque não tive paciência suficiente, como imaginei que tinha tido.
O fato é que depois de ter me acomodado neste hotel, sai para conhecer a cidade e ao final do dia estava no Museu de Arte de Goiânia observando as telas de Waldomiro de Deus. Um senhor de camisa e papete, bigode e sorriso franco, me abordou perguntando se eu havia gostado dos quadros. Não tive duvida de que se tratava do próprio Waldomiro e lhe respondi, com sinceridade, que havia achado interessanet seu jeito particular de pintar, sempre retratando questões relacionadas ao contexto popular, político e social do país.
Fomos conversando e descobri que ele tinha um apartamento na Mourato Coelho, muito perto da casa da minha tia onde eu havia residido por alguns meses antes da viagem. Acabamos ficando muito amigos e ele me convidou para o culto evangélico de seu filho que seria realizado em um hotel da cidade às 19h.
Gostei muito do culto, seu filho Edom (todos os seus filhos têm nomes hebraicos) tem uma retorica muito boa e é bastante eloquente, além do fato de pregar de forma tranquila e serena. Logo ficaria amigo da família e receberia o convite para dormir em sua casa, o qual, evidentemente, não recusei. Assim, às 23h30, Edom e eu fomos buscar as minhas coisas no hotelzinho de R$8,00. No caminho, receberia a melhor explicação do significado de Jesus para os evangélicos, melhor não só pela qualidade da exposição, mas por não haver proselitismo em seu discurso.
Nos quatro dias que fiquei em sua casa, teria a oportunidade de conhecer mais a sua história, raramente por seus próprios relatos. Seu Waldomiro possui aquela humildade característica das pessoas religiosas que, apesar de seus grandes feitos, não se vangloria e nem faz estardalhaços pela convicção de que tudo é obra de Deus, sendo ele apenas uma de suas ferramentas. Isso, é claro, trouxe-me dificuldades para saber sobre seu passado, mas graças a uma tese de mestrado em teologia, da qual não me recordo a autora (perdoem-me, ABNT e autora desconhecida), pude adentrar mais em sua vida.
Antes de começar a relatar o material que recolhi na tese, comento um fato curioso que revelou muito sobre seu passado. Estava eu apresentando meu cartão de visitas (alguns dizem que é para pretensas sogras), isto é, lavando louças após o jantar logo na primeira noite que havia chegado a casa dos de Deus, quando Seu Waldomiro me disse: "Olha! Você esta lavando as louças! Isso me lembra de quando eu cheguei na casa de um policial lá de Osasco. Eu estava jogado nas ruas do Largo da Concórdia, no Brás, quando ele me acolheu. Assim como você, eu fiz questão de lavar as louças." Era a terceira pessoa que havia morado nas ruas e dava-me abrigo.
Waldomiro de Deus nasceu no dia 12 de junho de 1944, em Itagiba, sul da Bahia. Aos 12 anos, fugiu de casa por conta do alcoolismo do pai e do desejo de tentar a vida na cidade grande. Dos 14 aos 17 morou nas ruas de Minas Gerais e São Paulo, trabalando de carregador, ajudante de padeiro e engraxate. Aos 17, no Brás, um oficial da guarda civil de Osasco, Sr. Manuel Pompeu, convidou-lhe para morar em sua casa. Passou a se dedicar à pintura, vendendo seus quadros no Viaduto do Chá.
Aos 18 anos, graças ao apoio do compositor Teodoro Nogueira e do físico e crítico de arte Mário Schenberg, destaca-se em uma exposição na Galeria Prestes Maia. Em relação a este fato, Waldomiro pensou que seus quadros haviam sido rechaçados pelos juízes, dado que imaginou estar escrito"Menção Horrorosa" ao invés de "Menção Honrosa" na estampa de um de seus quadros.
Aos 23 anos, em meio à ditadura militar, é considerado um artista plástico polêmico e rebelde pela impressa e setores mais conservadores da sociedade por conta do quadro "Nossa Senhora de Minissaia" e do fato de ter saido na R. Augusta vestido de mulher (uma aposta que fizera com a dona de uma loja de roupas). Essas atitudes lhe renderam um sequestro por parte da organização católica Tradição, Família e Propriedade que lhe deixou nu em um matagal do Morumbi.
Em sua defesa, afirma: "Tudo [as pinturas e as atitudes] dentro do espírito dos ´pimbahippies´. Era como eu chamava os pintores baianos hippies. Éramos contra o tóxico e a guerra. Trabalhávamos pela arte e não envolvíamos [sic] em política",
Aos 25 anos, acerca de sua viagem à Europa para expor seus quadros, o Notícias Populares de 22 de junho de 1969 publicava a seguinte manchete, "O pintor maldito Waldomiro de Deus vai à Europa". Aos 28, na fronteira da França com a Bélgica, é preso com Geraldo Vandré, o qual compõe a música "Nas terras do bem virá" em sua homenagem: "Waldomiro nas estrelas / Não podia se queixar / Tinha tudo que queria / Vivia tudo a pintar". Chegou a tentar o suícidio, tamanha era a vergonha daquela prisão injustificável.

Seu Waldomiro e eu.

Por volta dos 30 anos, em Jerusalém, torna-se crente devoto ao orar, "Ah Jesus, se tu existe mesmo, toca em mim um pouquinho, manda alguma coisa aí para eu crer mesmo que tu existe". Assim, aos 31, após pedir a mão de sua esposa em casamento - na época com apenas 16 anos - pintando em uma tela a frase "Você quer casar comigo?", tentou selar o matrimônio na Igreja Batista de Osasco, mas o pastor se recusou a celebrar a cerimônia por conta do vestido roxo com flores brancas da noiva, do vestido branco da dama de honra, e da capa rosa choque do noivo. No final, o casamento só ocorreu graças ao ex-prefeito de Osasco, Francisco Rossi, que realizou o casório.

Foto do casamento

Hoje, tendo sido hóspede em sua bela e enorme casa de Goiânia, vejo o quanto Seu Waldomiro é um homem de fé. Tudo que possui adveio de seus quadros: a casa de Goiânia, o apartamento de São Paulo, a faculdade de seus filhos... Trata-se de um grande pintor Naif, categoria de arte folclórica, insita, ingênua, na qual a arte está submetida apenas às leis de seu próprio criador, sem preocupação com os padrões de estética tradicionais.
Agora, o mais importante: expressar o que este homem e os dias que passei em sua casa significaram para mim. É impossível não se surpreender com sua bondade, sempre calcada na religião, aliás, tudo para ele gira em torno de suas crenças religiosas. Nos cinco dias que lá fiquei, recebi muitas orações de pessoas que nunca havia visto. Participei por quatro manhãs seguidas de uma campanha na Igreja Batista. Acordávamos as 4h30, pois as 5h iniciavam as orações na igreja, e oravamos até as 7h. Era frequente ouvir, do outro canto da igreja, alguma voz pedindo a Deus: "Proteja o Fernando durante a sua viagem." Meu primeiro contato com a igreja evangélica foi, como poderia dizer, abençoado. Nunca vou me esquecer da alegria do Seu Waldomiro ao me ver retornar na quarta-feira, depois de postergar minha partida para que pudesse participar do final da campanha de oração que terminaria no dia seguinte.

Na quinta, terminada a campanha, fui deixado por Waldemy, amigo da família que também estava hospedado na casa, em um posto de gasolina (como sempre). Graças a um chapa (pessoa que conhece bem a cidade e fica nos postos à espera de caminhoneiros que possam necessitar de seus serviços por meio da indicação do caminho, ou ainda da carga ou descarga do caminhão) consegui carona até o trevo de Formosa, alguns quilometros após Brasília.
A idéia era chegar na casa de meu primo, Mi, em Alto Paraíso de Goiás, na Chapada dos Veadeiros. Faltavam ainda uns 250km, e achei que seria difícil conseguir chegar naquele mesmo dia. Além disso, para minha sorte, encontrei numa tendinha na estrada uma hippie e um gay que estavam indo ao VIII Encontro de Culturas Tradicionais da Chapada dos Veadeiros, que seria realizado numa vila próxima à Alto Paraíso, Vila de São Jorge. Convidaram-me para tomar uma Skol e decidi que pelo horário, pela nova amizade e pelo Cordel do Fogo Encantado (grupo musical de Pernambuco), deixaria para ir à casa de meu primo no dia seguinte.

Mas meu primo fazia questão de que eu fosse naquele mesmo dia, ao menos pareceu. Saimos caminhando pela estrada, a hippie, o gay e o japonês. Foi só eu abrir a boca para dizer que seria muito difícil de conseguir carona em três pessoas, quando uma S10 passa a uns 130 km/h. Meu novo amigo gay começou a pular e a gritar: "Ei! Ei!", e, inacreditavelmetne, a caminhonete parou e passou a dar ré. Quando fui ver, meu primo saiu da porta traseira!!!!!!!!!!! E assim, pela primeira vez, pude dar carona a alguém e retribuir as mais de 50 caronas que havia pegado até então. Fomos discutindo sobre religião e homossexualidade até chegar em Alto Paraíso, no trevo em que ficariam os amigos que não veria mais.
Assim, naquela mesma noite, estaria novamente no conforto do lar de familiares. Por sorte, a esposa de meu primo havia ligado para minha mãe no dia anterior, perguntando se ela sabia quando chegaria. Minha mãe disse que era imprevisível, dado que eu estava viajando apenas de carona, e este foi o alerta para que meu primo reparasse mais nos acostamentos.
Nos dias que passei lá, pude curtir as cachoeiras da Chapada com as minhas primas (Demi, 10; Bia, 12; e Érica, 14 - não me matem se as idades estiverem erradas, por favor!). É incrível como as crianças crescem e perdem aquela cara-de-pau de sete, oito anos atrás. Ainda mais se você tiver um histórico de travessuras com elas... elas parecem se recordar do passado e ter vergonha de revive-lo... ah, como queria que tivessem seus 2, 4 e 6 anos novamente!!!!!!!!!!! Ao menos não passaria pelo constrangimento de afirmar na pizzaria, ao receber a conta da garçonete: "Ei, são elas que vão pagar!". Talvez, se ainda tivessem esta idade, o dinheiro ao menos me seria confiado... hhuahuahhuaah... Enfim, foi divertidíssimo...
Mi, meu primo, e as serelepes crescidas

No sábado, último dia do Encontro de São Jorge, fui lá para dar um olhada. Sem dúvida era um ponto de encontro obrigatório dos hippies e um lugar cheio de som com qualidade. Ouvi o excelente grupo Fruto do Cerrado, do interior de Goiás (me dei o luxo de comprar o cd, quem quiser, esta em casa. É só ligar e pedir para meus pais); o Congo da Irmandadne de Santa Ifigênia, Niquelândia - GO; o cortejo de Zambiapunga Nilo Peçanha - BA. Além de assistir ao filme Tapete Vermelho e a uma apresentaçaõ de um teatro de mamulengos (bonecos de pano), bem como de dançar um rasta pé.

cortejo de Zambiapunga Nilo Peçanha - BA

Em relação ao teatro de mamulengos, conheci um músico que me deu uma idéia importante. Conversando a respeito de minha viagem e da intenção de descer o Rio São Francisco, ele me disse que dois amigos seus desceram o rio em um barquinho a remo... chegaremos lá, por eqnaunto, fica o registro de quem plantou a idéia.

Despedi-me da Chapada dos Veadeiros com a música Encantos da Chapada, do grupo Fruto do Cerrado: "Vem ver, na Chapada dos Veadeiros vem / Céu estrelado e o mais lindo luar cor de prata / Só aqui é que tem...". De lá, seguiria para Brasília, somente para rever velhos amigos e dar uma passada no Memorial JK.

Grupo Fruto do Cerrado

Em Brasília, fiquei alojado na Seicho-No-Ie. Revi os amigos da última viagem que fizera para lá, quando segui a trajetória política de JK, e fiquei feliz de saber que todos se lembravam de mim (a família da Pâmela, os funcionário da Seicho-No-IE, o pessoal do Memorial JK).
Brasília encerrou minha aventura pelo Centro-Oeste. E para finalizar este post, nada melhor do que lembrar as palavras de Juscelino estampadas na placa sobre a sua efígie a frente do Palácio do Planalto: "Brasília, construída com destemor, sacrifício e determinação, assinala o certo e desejado encontro do Brasil com sua grandeza."
Pelo Centro-Oeste pude perceber o porquê de ser a região catalisadora dos fluxos migratórios. Sem dúvida a grandeza de Brasília teve a sua importância, assim como a da MMX e a da Vale, mas fiquei mais feliz de conhecer a de José, Antonio, Francisco, Waldomiro, que contribuem, a sua maneira, para o progresso do país. Obrigado por terem feito parte da viagem!

Wednesday, July 16, 2008

Campo Grande/MS - Se eu tremo?

Foi na Subprefeitura de Isla Margarida que conheci Tuna. Ele me disse que arranjaria carona até Jardim (Mato Grosso do Sul), a mais ou menos 250km de Porto Murtinho, para às 12h do dia seguinte, sábado.

Aguardei até às 13h já desesperançoso quando, logo após almoçar, ele liga avisando que estava indo me buscar. A carona do meio-dia não vingou, mas ele havia conseguido uma outra. Foi assim que conheci Oscar, dono de um barco de pesca no Pantanal (http://www.barcosantamaria.com.br/), e cheguei rapidamente em Jardim.

Tomei um tererê à frente de sua casa e fiquei feliz de não estar afoito para pegar carona. Por volta das 16h30, seus amigos me levaram até um posto na saída de Jardim. O terceiro caminhonheiro a quem fui recorrer inicialmente me respondeu que não iria para Campo Grande, mas depois perguntou: "você conhece o Tuna?". Tratava-se da referida carona das 12h.

César possui um mercado em Porto Murtinho, mas mora em Jardim. Todos os sábados ele saí de Porto Murtinho, passa em sua casa em Jardim e vai ao Ceasa de Campo Grande. Naquele dia, por dar carona a duas pessoas, não pôde me levar até Jardim, mas me levaria até Campo Grande por conta de uma bolsa que esquecera. Ele já havia saído de casa quando sua esposa ligou dizendo que esquecera a bolsa. Assim, encostou no posto aguardando que o motoboy a levasse até ele. Foi o tempo de eu chegar e encontrá-lo.

Cheguei em Campo Grande por volta das 19h30. César me deixou próximo à rodoviária. Fui fazer o reconhecimento e, triste constatação, era uma das piores que já havia visto, só perdendo para a de Brasília. Fui pesquisar os preços dos hotéis em seu entorno, mas nenhum sairia por menos de R$10,00. Dado que era sábado, estava curioso para conhecer a tradicional feirona no qual os campo grandenses se reuniam para comer sobá (um prato japonês feito com macarrão, carne de porco e cebolinha). Também pensei que a feira fosse 24h e que talvez pudesse dormir lá.

Invejei a feira, dado que não há nada parecido nas noites de sabado paulistana. Num galpão enorme, inúmeras barracas, a maioria de japoneses, oferecem desde caldo de piranha até sobá. É um bom ponto de encontro de jovens, adultos, famílias e casais de namorados.

Peguei alguns mapas num guichê de informações turísticas e verifiquei se a feira era realmente 24h. Infelizmente não era, então preferi voltar à rodoviária. Ao menos me instalaria à frente de um posto policial. Eram 22h30 quando fui me apresentar aos policiais e avisar que passaria a noite no banco do lado de fora. Ao informá-los, o Policial Bastos respondeu: "Não. Cê treme." Achei que ele estivesse tirando uma com a minha cara e perguntei, "se eu tremo?". Até que ele me explico que CETREMI significava Centro de Triagem e APOIO (talvez seja Encaminhamento, vi os dois) do Migrante, o que na verdade era um albergue para desabrigados (que não necessariamente são migrantes).

Informou-me que a kombi passaria por volta das 23h e que poderia esperar no banco do lado de fora. Havia um outro senhor que também iria para lá e aguardava o transporte. Ele estava indo à Cuiabá, mas por falta de dinheiro só conseguira chegar até Campo Grande. Por volta das 23h30 a kombi chegou. Mais dois jovens se reuniriam a nós, Mateus e Juan. Eram de Floripa e estavam viajando desde fevereiro. Iriam a um encontro de malabaristas na Bolívia.

A kombi faria ronda pela cidade por mais uma hora e meia, mais ou menos, mas não me importei porque ouvia atentamente os relatos de viagem dos caras. Duas histórias me impressionaram bastante. A primeira, em Buenos Aires, estação de trêm Constituición. Era de madrugada e Juan aguardava a estação abrir para retornar para casa do trabalho de garçom, quando um garoto de mais ou menos seis anos de idade sentou-se ao seu lado e começou a puxar papo. Juan desconfiou, mas não interrompeou a iniciativa. O menino diz, "quer ver o que ganhei hoje?", Juan se assusta e fala que não, mas o garoto já havia aberto o bolso e pegado seu objeto de triunfo "Olha só: trinta pesos. E são meus!". No fundo, o menino só queria contar para alguém sua vitória.

A outra aconteceu na Chacarita, a favela de Asunción que fica atrás do Congresso Nacional. Os dois acompanhavam a realização de um trabalho voluntário na comunidade. Um filipino tirava algumas fotos para serem utilizadas posteriormente na captação de patrocínios para o projeto quando uma mulher, de maneira meiga e vaidosa, pede a ele que saque uma foto. O filipino a fotografa e em seguida a feição da mulher muda completamente. Ela lhe pergunta de forma irônica, "E como você vai fazer pra me dar a foto?", e avança sobre o cara. Nisto, durante a disputa entre o filipiano e a mulher da Chacarita, um cara saca uma arma e aponta para a cabeça do filipino exigindo que ele lhe entregue a câmera. No final, fogem a mulher e o homem armado brigando para ver quem ficaria com o objeto.

Chegando nas instalações do centro, o qual fica próximo ao Parque dos Poderes (onde estão o executivo, judiciário e legislativo de MS), percebi que o CETREMI possuía um complemento não divulgado em sua nomenclatura: Centro de Triagem e Apoio ao Migrante e ao Morador de Rua. Para mim não mudou nada, dado que já imaginava isto por conhecer um albergue de São Paulo.

Já era 1h15 da manhã quando fui fazer minha ficha. Recebi meio sabonete e um corbertor e fui procurar uma cama. O albergue nada se parecia com o que conheci em Córdoba: o banheiro era extremamente sujo (havia roupa jogada no chão, o ralo estava entupido, o cheiro era péssimo); não havia lençóis para cobrir as camas, tão pouco travesseiros e fronhas; toalhas não eram disponibilizadas; as regras e os horários não estavam devidamente divulgados em um informativo; os horários estipulados não eram cumpridos; o albergue estava cheio mesmo sendo sábado.

Na manhã do dia seguinte entenderia que, apesar de não ser o caso da maioria, o CETREMIMOR (abreviação correta) estava mais para uma clínica de reabilitação do que para um albergue. Distante do centro da cidade e em uma enorme área verde, o Centro não determinava o horário de saída dos alojados (como em Córdoba, a qual era às 8h), mas sim, exigia autorização para sua saída. Dessa forma, se eu quisesse sair de lá, deveria ter autorização da assistente social de plantão. Além disso, após o café, todos deveriam colaborar para a limpeza do local. Não achei isto injusto, mas soou como algo para fazer passar o tempo, assim como o futebolzinho e a tevê, era quase que uma terapia.

Por parte dos albergados, logo pela manhã se podia sentir o cheiro de maconha no ar. Eles iam para os fundos dar um tapa durante a limpeza. Conversei com muitos viciados, tanto em drogas lícitas quanto ilícitas. Um deles, alcóolatra, 27 internações, explicou-me sobre o método dos 12 passos para recuperação de depedentes químicos e falou-me sobre sua vontade de se tornar coordenador. Outro, apelidado de China por conta de ter seus olhos fechados de tanto fumar baseado, perguntou-me se eu fumava.

O poder executivo local necessita rever seus conceitos. Se o CETREMIMOR é meramente um albergue, não deve controlar seus usuários, mas sim, estipular um horário máximo de saída para eles, drogados ou não, migrantes ou conterrâneos. Também não faz sentido exigir que os albergados não venham drogados (refiro-me ao álcool também) se a função da ronda é recolher TODOS os moradores de rua, sem exceção. Se a política é dar abrigo, não importa a condição. Agora, deve-se exigir e fiscalizar que não se usem drogas nas instalações do Centro.

Outro ponto importante é o respeito aos albergados. Por um lado, os funcionários fazem exigências a eles, mas por outro, não cumprem devidamente as suas obrigações. Respeitar os horários das refeições, realizar um atendimento bom e educado, manter as instalações limpas e proporcionar uma boa noite de sono, dado que se trata de um lugar para dormir, concedendo roupas de cama limpas, são coisas básicas que não acontecem.


Enfim, por volta das 9h de domingo, terminada a limpeza e tendo ouvido inúmeros comentários do tipo "olha só, é a primeira vez que vejo um japonês no trecho" ou perguntas como "você fugiu de casa? Brigou com seus pais?", solicitei minha autorização de saída para conhecer o Parque dos Poderes. Logo depois de atravessar o portão, dou de cara com um bêbado (que não estava alojado no CETREMIMOR). Lembrei-me do comentário feito por Juan, o jovem malabarista que estava indo para a Bolívia, minutos atrás durante a limpeza, acerca dos inúmeros bêbados vistos na rodoviária na noite anterior, os quais se assemelhavam ao Jeremias dos vídeos do YouTube.

Este Jeremias estava sobre uma bicicleta, com a mala nas costas e a garrafa de pinga na mão. Acompanhou-me por 1km desabafando seus problemas amorosos. Havia acabado de brigar (apanhar na verdade) com a (da) mulher. Estava totalmente arrasado, com um buraco enorme no peito por conta de um arranhão e com o olho esquerdo inchado devido a uma tamancada. Achava que eu era índigena e assistente social do Centro, "Meu vô sempre falava que os índigenas são pessoas boas. Você é assistente social, né?". E percebi o quanto ele estava desemparado quando afirmou ,"Graças a Deus eu tenho minha mãe. Só tenho ela. Se ela morrer... o que vai ser de mim?". Alguns minutos depois continuaria minha caminhada sozinho, pois o Jeremias estava muito cansado.

O passeio pelo Parque dos Poderes só duraria até às 11h, horário de almoço, quando deveria retornar ao Centro. Um policial explicou-me um caminho mais longo e tive que correr para não me atrasar. Cheguei às 11h03 e o almoço foi servido às 11h40. À tarde, encerraria meu período de hospedagem no Centro, pois queria caminhar até a rodoviária para conhecer a cidade. Também havia marcado de me encontrar com um estudante de jornalismo que havia conhecido na noite anterior, Joseph. No caminho, encontraria os malabaristas albergados se apresntando nos faróis. Deu vontade de aprender malabaris ao vê-los fazer R$10 em 20 minutos, mas sabia que não tinha paciência para isso.

Sentado no mesmo banco à frente do posto policial da rodoviária que seria minha cama na noite anterior, conversei com Joseph das 17h às 18h30. Estava esperançoso de receber um convite que não ocorreu, e peguei a kombi do CETREMIMOR novamente. Havia apenas um rapaz sentado no banco traseiro. Achei-o muito jovem e um pouco assustado e tentei puxar conversa. Imaginei que de repente pudesse estar receoso de ir ao Centro. Disse que tinha 19 anos e não era de Campo Grande; queria voltar para casa, mas acontecera um "desacerto". É, eu também não entendi, e percebi que cada vez que ele falava em "desacerto", havia um tom melancólico em sua voz e uma decepção em seu olhar.

Continuei insistindo e ele confessou: ficou preso durante um ano por 55 (furto). Percebi que falava com sinceridade sobre seu arrependimento e estendi minha mão para cumprimentá-lo pela soltura. Talvez desnecessariamente, mas não pude me conter, perguntei qual era seu maior desejo naquele momento e ele me respondeu que era ficar com sua família. Espero que esteja com sua mãe agora e tenha realizado sua vontade.

Outras surpresas nos aguardariam. A kombi havia recebido uma denúncia de um senhor que não sabia voltar para casa. Tratava-se de Seu José, portador de Alzheimer que desde às 15h, eram 20h quando chegamos ao lugar denunciado, estava na rua perdido. O procedimento padrão dos assistentes sociais é se dirigir a um posto de saúde para procurar o cadastro da vítima no SUS. Foi engraçado quando paramos na frente do posto e, alguns minutos depois, a jovem que estava parada na frente da kombi veio falar com o senhor, "Seu José, quê cê tá fazendo aqui? Tá todo mundo te procurando." Era a namorada de seu filho.

Descoberto o local de sua residência, fiquei mais tranquilo para conversar com ele. Falou-me sobre suas filhas, disse-me que tinha 32 anos de idade e me perguntou, "uma filha tem... 12 mais 1 é 13, né?". Fiquei decepcionado ao ver a reação da família quando o levamos para casa. Sua mulher estava com uma cara-fechada que dava medo. Parecia que tínhamos levado a ela um estorvo, e ao invés de ouvir as recomendações da assistente, tentava banalizar o fato dizendo que o velho sempre fazia aquilo.

Enfim, depois de fazer um tour nada convencional pela cidade, ver um cara que se fingia de bêbado para não apanhar e conhecer as quebradas de Campo Grande, dormiria (tentaria dormir) mais uma vez no CETREMIMOR. Novamente a noite foi difícil. Se não era pela coceira, era pelo cheiro de maconha. Havia um viciado duas camas ao meu lado que de tempos em tempos acendia um back, fumava, e voltava a dormir.

Desculpas e justificativas

Primeiro quero pedir desculpas pela demora. Prometi que escreveria uma vez por mês, mas ainda que pareça que tenho todo tempo do mundo, é bem difícil estar na frente do computador. Mais que isso, também optei por escrever somente depois de completar um mês que deixei Yuba (09 de junho) e espero que compreendam meus motivos nas linhas a seguir.
Resumidamente, fiquei 18 dias (22 de maio a 09 de junho) na comunidade nipônica Yuba, Mirandópolis - interior de Sao Paulo; 21 dias na Argentina (10 de junho a 2 de julho); nove dias no Paraguai (2 a 11 de julho) e, agora, escrevo de Campo Grande, Mato Grosso do Sul.
Yuba foi encantador e decisivo para a viagem. Trouxe-me reflexoes perturbadoras, mas importantes para um bom convivio com a estrada.
Argentina foi divertido, embora inicialmente mais prejudicada pelas referidas inquietaçoes adquiridas em Yuba do que pela greve dos agricultores, a qual imagino que nao interferiu em nada na viagem.
Paraguai me deu lembranças inesquecíveis do Rio Paraguai, o qual subi de barco trabalhando como marinheiro por sete dias. Todavia, nao poderei compartilhar registros fotograficos com vocês porque fui roubado em Asunción.

P.S. 1: agradecimentos especiais à família de minha prima Noeko (Antonio, Dani e Rique) que me acolheu em Campo Grande por três dias e possibilitou que estes posts fossem publicados.

P.S. 2: estou tendo dificuldades para lidar com o blogspot. Não sei como fazer para mudar a ordem das publicações. Assim, vocês terão de ler ao contrário para entender, isto é, comecem em junho por Yuba, e em julho, leiam de baixo para cima. Desculpem-me, e se alguém souber controlar isto, ficaria feliz de aprender.

Adeus, Nikon! Muito prazer, Aguapé!

A família Blanca mora em Formosa, na província argentina de mesmo nome. Iam a avó, a mãe e a filha (Rosa, 21) visitar Gustavo e sua esposa, irmão de Rosa, que teriam seu segundo filho na cidade de Luque, próxima à Asunción.

Troquei os 3,20 pesos que me restavam por 4000 Guaranis, mas ainda faltavam Gs1000 para poder pegar o ônibus até a rodoviária de Asunción, na qual passaria minha primeira noite no Paraguay. Graças a avó Blanca, pude pagar o transporte e, assim, tomamos o mesmo ônibus. No caminho elas me ofereçam Coca e biscoitos, além disso, Rosa me presentou com um pote de doce de leite, o qual se tornaria minha janta junto com o pão que havia na mochila. Trocamos contatos e combinamos de nos ver domingo (estavmos na quinta-feira).

Na rodoviária, fiz o reconhecimento de praxe e verifiquei que seria tranqüilo passar a noite lá. Como não queria gastar Gs1000 (R$0,44) para usar o banheiro e ainda era cedo, 19h30, fui procurar algum posto de gasolina nas redondezas. Encontrei um posto, pedi informações, usei o banheiro e enchi minha garrafinha de água. Também descobri que de lá partiam ônibus até a fronteira com o Brasil, em Pedro Juan Caballero, que poderia se tornar uma opção de transporte no futuro.

No dia seguinte, iria procurar abrigo na Seicho-No-Ie, que está próxima ao porto, no centro da cidade. Às 8h pedia informação no ponto de ônibus a uma senhora grávida quando o resonsável por minha decepção começou a acontecer. Subi no ônibus, que estava lotado, e a senhora instalou-se ao meu lado direito. Ela continuava a me explicar o percurso enquanto muitas pessoas trocavam empurrões para passar para os fundos. Não se passarm nem dez minutos quando verifiquei que o case de minha camera estava para fora do bolso, suspenso pelo gancho preso à calça. Era tarde demais, haviam levado-me a câmera. Tinha suspeitas de quem fosse e pensei em descer do ônibus e correr em direção aos pontos pelos quais havíamos passado, mas como não tinha certeza das feições do muchacho, achei melhor seguir meu caminho.

Fui à SNI me lamentando, não podia acreditar que com somente dois meses de uso já havia perdido o ativo mais caro e importante da viagem. Havia perdido registros de B. Aires, B. Blanca, Viedma, Carmen de Patagones, Trem Patagônico, Bariloche, Neuquén, Mendoza, Córdoba, Costa Blanca, Sgo Del Estero, Resistência. Só não perdi Yuba porque havia feito um dvd em B. Aires.

O fato de eu não ter podido fazer nada foi o que mais me perturbou. É péssimo se dar conta de algo que aconteceu só depois de seu desenrolar. Fui traído pela minha sensação de segurança, e estava me sentido um "boludo" (idiota). Estava tão envergonhado comigo mesmo que era incapaz de olhar para as pessoas. Cada rosto se tornava uma perturbadora inquisição.

Não quero dizer que preferiria ser roubado de outra maneira, mas a sensação que tive neste furto foi pior do que das vezes em que fui assaltado com arma, faca ou ameaças. Não se tratava de se estar puto com o responsável por isto, mas de se estar inconformado com o meu próprio descuido, que parecia me tornar o réu, e não a vítima, da situação. Não foi fácil conter as lágrimas, e preferi, naquele momento, não contar nada a ninguém.

Se não bastasse, quando já estava com a cara na sarjeta, levei uma bica: ao chegar na SNI, percebi que o meu presumido "bolso mais seguro da calça" estava aberto. O cara também havia levado Gs30.000 (R$13,00). Sabia que quando se viaja desta forma deve-se estar predisposto a assaltos, agressões... mas não estava preparado para isto. E o pior era ter achado que estava.

Às 9h, o Sr. José, vice-presidente da SNI de Asunción, chegou e eu recebi uma negativa no momento em que mais desejava um lugar tranquilo para ficar. Ao menos pude tomar banho e lavar minhas roupas (coisa que não fazia há um mês). Informaram-se que às 12h seria feita a siesta e, portanto, o prédio seria fechado. Assim, fiz uma oração e fui conhecer Asunción de bermuda e chinelo (todo o resto estava estendido para secar).

Saí decidido a ir direto ao porto buscar carona de barco até a fronteira com o Brasil. Lá vi um barco com porte suficiente para percorrer o trajeto (era o único, na verdade). Fui falar com seu comissário, Sr. Antonio, que me sugeriu pegar um ônibus. Contei-lhe o que havia acontecido e disse que poderia trabalhar no barco durante a viagem. Respondeu-me que eu deveria estar lá no dia seguinte , sexta-feira, às 16h. O barco monotor Aguapé partiria às 19h rumo à Isla Margarida, à frente de Porto Murtinho (Mato Grosso do Sul).

Fiquei radiante de alegria e aquilo possibilitou que eu aproveitasse mais o passeio pela cidade. Impressionou-me o Palácio Solano López (Palácio do Governo), construído à semelhança do Palácio de Versalles. Também a favela Chacarita me surpreendeu por estar às margens do R. Paraguai, lgo atrás das principais construções da cidade: Congresso Nacional, Cabildo, Palácio do Governo. O descaso dos políticos com aquela população vizinha era uma redução simbólica do descaso, principalmente, com o Chaco paraguaio. Os congressistas e o executivo naquele momento estavam mais preocupados com a renúncia de Nicanor Frutos do que com a paisagem que pode ser vista há anos pela janela de seus gabinetes.

Naquele dia, como disse, não queria passar mais uma noite no terminal. Então pensei muito se devia ou não ligar para Rosa pedindo abrigo. Acabei ligando e, apesar de não ter conseguido um lugar para ficar, marcamos de nos vermos no dia seguinte no Shopping Del Sol. Antes de me dirigir à rodoviária, liguei para os meus pais explicando que talvez não pudesse ligar no dia sete, aniversário de meu pai, como havia prometido porque talvez ainda estivesse no Aguapé. Gostaria de ter ligado em um momento melhor, e diante de tamanha compreensão e apoio (disseram-me para não me preocupar com o dinheiro utilizado na compra de uma câmera nova, valorizaram o fato de eu estar bem), confesso que meus olhos marejaram novamente.

Não fui direto à rodoviária, primeiro passei no posto para verificar se os ônibus que saiam de lá faziam parada na cidade de Concepción (400 km ao norte de Asunción) antes de ir à Pedro Juan Caballero. Estava preocupado com o carimbo de saída do país, que, segundo o próprio departamento de imigração paraguaio, não poderia ser obtido em Isla Margarida (destino do Aguapé). Assim, pensava em ir de barco somente até Concepción e de lá pegar um ônibus até Pedro Juan.

No posto encontrei o senhor (chamado Guido) com quem havia conversado na noite anterior. Ele me perguntou se eu havia seguido sua dica de um lugar para passar a noite e respondi que não, que havia dormido na rodoviária. Ao ouvir isto, o Sr. Guido, dono do posto (só soube depois), mostrou-me uma espécie de armário para vassouras do lado de fora do posto com a largura do meu ombro e cumprimento de mais ou menos dois metros . Dentro dele havia papelão forrado no chão e uma colchonete. Disse que eu poderia passar a noite lá, mas pensou melhor e me levou para um quartinho grande o suficiente para conter um armário e uma beliche. Disse-me que poderia dormir na cama de cima dado que os dois funcionários da noite se revezavam no trabalho. Assim tive meu desejo realizado e não dormi no banco da rodoviária.

Mais tarde, em um banco atrás do posto, sentei-me ao lado de um tímido garoto de onze anos para jantar (pão com doce de leite). Perguntei-lhe se já havia comido e respondeu que não. Reparti meu pão e percebi que o menino comia de forma afoita. Depois descobri que o garoto se chama Luiz e dormia há alguns anos naquele armário de vassouras que poderia ter sido meu quarto. Por algum motivo o menino não queria mais viver com sua mãe, que tinha conhecimento de que ele dormia lá.

No dia seguinte, dirigi-me ao Shopping no qual encontraria Rosa às 13h. Ela convidou-me para ir ao Mercado 4, que se parece com o Shopping 25 de março, amontoado com as feiras de domingo de São Paulo e o Largo da Batata. Lá, comi a famosa sopa paraguaya (um bolo salgado feito de milho, ovos e farinha), butifarra (linguiça de cervo), mandioca (base da alimentação paraguaya, acompanha todas as refeições) e dulce de maiz (doce de amendoim). Se não bastasse, concedeu-me uma recordação do Paraguay, um recipiente de madeira envolto por couro para se tomar mate.

Despedimo-nos por volta das 15h45 e fui para a direção do porto. Minha ansiedade de embarcar no Aguapé lembrou-me daquela sensação que se tem de criança às vésperas de viajar com o pai para pescar. Ao mesmo tempo, estava com receio de que por alguma razão o comissãrio voltasse atrás e desfizesse o trato. De qualquer forma, fui ao supermercado e comprei laranjas, bananas e pão por aprox Gs10.000 (R$4,50). Não sabia qual seria o esquema das refeições no barco, mas não queria chegar de mãos vazias.

Fiquei exultante de alegria quando mirei o Aguapé ainda atracado no porto. Eram 17h e praticamente quase tudo já havia sido carregado. Fui cumprimentando os marinheiros, pedindo desculpas pelo atraso e perguntando o que podia fazer para ajudar. E foi só quando acomodei minhas coisas no barco e fiz meu primeiro esforço para carregar alguma mercadoria sem ninguém chamar minha atenção, é que tive a certeza de que seria um de seus tripulantes.

Carregamos 22 motos, entre Biz e CGs, rolos enormes de cano de plástico e alguns móveis. Às 18h30 o barco estava pronto para iniciar a viagem. Acompanhei os marinheiros Palácio e Renato até o supermercado, no qual comprariam pão, biscoito, papel higiênico, xampu, sabonete etc, antes de partir. Por volta das 19h10 deixávamos Asunción. Começaria uma das partes mais bonitas da viagem deixando para trás minha Nikon... Ainda assim, não tive muito tempo para lamentar. Ao entrar na cozinha, recebi a acolhedora boas-vindas que sinalizaram que me daria bem na embarcação: ela olhou para mim e eu sorri para ela. Nunca foi tão poético lavar louças... à frente, a lua crescente e as Três Marias; atrás, as luzes de Asunción e seu belo Palácio de Governo.

Desceríamos o Rio Paraguay até San Antonio para pegarmos duas barcaças (Lili e Reina del Mar) vazias que seriam carregadas com pedra em Vallemi, antes de subi-lo em direção à Concepcion, nossa primeira parada.

Eu era o sétimo elemento do B/M Aguapé: quatro marinheiros, dois deles com suas respectivas namoradas, e eu. Tornei-me muito amigo do marinheiro Renato, 24, que aparenta ser mais velho por conta de sua enorme força. Durante a viagem, de praticamente tudo aquilo que Renato consumia, concedia-me 1/3.

Nos três primeiros dias de viagem (sábado, domingo e segunda), limparíamos as embarcações que transportam pedras. Trata-se de um trabalho pesado, pois tínhamos que tirar com pás as pedras e areia que restavam no interior da embarcaçao, e lançá-las para fora, no rio. Minha mão ainda estava calejada de Yuba, mas ainda assim ganhei novas recordações. Dado que o barco é um verdadeiro circuito de armadilhas, além dos calos das mãos, ganhei queimaduras no braço (enconstrei três vezes no escapamento do barco) e galos na cabeça. Nada grave.

Mesmo com este trabalho, a viagem estava sendo um verdadeiro cruzeiro. Fazia quatro refeições ao dia, dormia em cama (um marinheiro estava de férias), tomava banho diariamente e ainda lavava roupa com OMO. Sem contar que de vez em quando bebia cerveja. No domingo, por exemplo, após trabalhar na limpeza da Lili, tomei quatro latinhas de Brahma Paraguaya. Um saldo que dificilmente será superado na viagem.

Na terça-feira, atracamos em Concepción. Tinha que tomar uma importante decisão: continuar no Aguapé por mais três dias e arriscar de talvez não conseguir carimbo de saída em Isla Margarida, conforme o Depto de Imigração Paraguaia havia me informado; ou descer em Concepción e continuar a viagem por via terrestre. Os marinheiros diziam que muitos turistas já haviam viajado com eles e sempre conseguiam o carimbo em Isla... A verdade era que queria continuar no Aguapé... e preferi me arriscar.

A decisão se mostrou correta, pois na verdade o contato do Aguapé com o povo paraguayo só estava começando. Havia muita coisa a ser descarregada, inclusive no Chaco Paraguayo, região que, nas minhas condições, só poderia ser conhecida de barco mesmo.

Em Concepción embarcaram o comissário, Sr. Antonio, sua namorada e um oficial da marinha Paraguaya que também iria ate Isla Margarida. A partir de lá comecei a enxergar a pobreza do povo paraguaio. Concepción ao menos possuía ruas pavimentadas, ainda que, como eu veria no Chaco, a carroça puxada pelo burro de carga fosse um dos principais meios de transporte.

Desde o começo, quando vi a pistola na cintura do Sub Oficial Benitz, fiquei incomodado. Talvez fosse um pressentimento do que estaria por vir à noite. Ele e eu jantamos juntos e, enquanto ele arrumava as coisas para se banhar, eu subi para me deitar. Já estava dormindo quando Renato, o marinheiro, veio me perguntar se por um acaso não teria pegado a carteira do oficial por engano. Respondi que não. Logo depois aparece o muchacho sozinho. Arma na cintura, dedo em riste, afirmava com convicção que eu havia roubado sua carteira e exigia que eu a devolvesse. Disse que não havia pego nada e ele disse que queria revistar minha cama. Comecei a pensar em teorias conspiratórias e chamei Renato para testemunhar a cena.

Minutos depois o oficial desceria para a cozinha junto com outro marinheiro e encontraria sua carteira caída debaixo do freezer. Isto me tranquilizou um pouco, mas continuava extremamente ofendido. Instantes depois ele veio se desculpar, mas insistia que alguém a havia pego. O fato me fez refletir sobre o furto de Assunción e nas consequências de um ato inquisidor que eu poderia ter cometido caso eu tive ido atrás do suposto rapaz que me roubou a câmera. Com certeza eu não saberia exatamente quem foi e, pensar que poderia fazer aquela injustiça a alguém me deixou mais tranquilo por ter me resignado com a situação.


O primeiro porto em que descarregamos coisas foi o Puerto Pinasco. Chegamos por volta das 21h de quarta-feira e teríamos muitas caixas de cerveja e sacos de farinha para descarregar. Enquanto passava as caixas para um senhor de 70 anos e pensava que ele me dizia "mais rápido, mais rápido" em guarani, enquanto na verdade estava dizendo para passá-las mais devagar, pensei como seria bom tomar uma daquelas centenas de brahmas em garrafa de quase 1L.

Meu chefe Renato realizou meu desejo comprando cervejas geladíssimas para bebermos enquanto trabalhavamos. E ali estava eu, com uniforme de marinheiro (que já vinha com cheiro de marinheiro), sob um lindo céu de lua crescente, trabalhando levemente ébrio e brindando com a família Aguapé.

Nas outras vezes que descarregaríamos mercadorias (Puerto Casado, Puerto La Esperanza e Vallemi), tomaríamos tererê por conta de ser de dia. Nessas ocasiões, podia observar melhor as cidades do Chaco Paraguayo, com suas ruas de terra batida, casas de madeira, burros de carga transportando caixas de brahma e meninos vendendo empanadas.


Às 21h30 de sexta-feira, 11/07, terminava meu cruzeiro de sete dias no Aguapé. Estava a 200 m de pisar em solo brasileiro, bastando apenas cruzar o Rio Paraguai para Pedro Murtinho. O Sub Oficial Benitz desembarcou comigo em Isla Margarida e, graças a ele, fui acolhido na Subprefeitura Marinha da ilha. Além de ganhar um lugar para dormir, tomaria café-da-manhã, almoçaria e arrumaria carona até Campo Grande graças ao oficial.

Curiosamente, o carimbo de saída de meu passaporte foi assinado pelo mais novo funcionário da subprefeitura, o mesmo Sub Oficial Benitz. Mal sabia eu que ao deixar Concepción no Aguapé, já tinha a solução bem ao meu lado... e o mesmo dedo que foi apontando para a minha cara, colaborou para a assinatura do meu passaporte. Lembrei-me da vez que encontrei o Cássio no DA com uma camiseta que mais parecia um pijama. Uma camiseta que por sinal eu também tinha e havia comprado no mesmo lugar. Nela estava escrito: "Não nasci para ter ódio nem ranconres, nasci par construir", frase de JK. Só naquele momento percebi o quanto a camiseta é feia, mas, enfim, a frase é bonita e vale à pena ser seguida.

Tuesday, July 15, 2008

Argentina e o Alaska da minha vida

No dia 9 de junho, segunda-feira, deixei Yuba às 6h30 da manhã com Daigo, 24, o qual iria até Andradina pegar milhos que seriam descascados e limpos pela comunidade. Fiquei em um posto de gasolina e comecei a jornada de caronas.
Até Presidente Prudente foi tranqüilo, mas lá começou o teste de paciência. Aguardei por 4 horas alguma carona em um ponto de ônibus. Ao parar um ônibus intermunicipal, negociei com o cobrador um valor até o posto de gasolina mais próximo (a 25 km) e paguei R$4,00. No posto, não precisei esperar mais de meia hora. Graças a Leoni, caminhoneiro, e Marcelo, seu filho, pude ir até Cascavel. Fizemos uma breve parada em Maringá para jantarmos (Leoni me pagou um lanche e Coca) e seguimos viagem.
Às 2h da madrugada estava me acomodando na única sala VIP para passageiros aberta na rodoviária de Cascavel. Forrei alguns jornais no chão e estirei meu saco de dormir. Lá, tive duas constatações aromáticas: a primeira, relativa ao cheiro humano característico dos ônibus de São Paulo nos períodos de fim de expediente, que estaria presente em tantos outros lugares durante a viagem; a segunda, referente ao cheiro do meu pé, que tenderia a piorar. Dormi até as 5h da manhã e caminhei até o posto mais próximo para chegar o mais rápido possível em Foz do Iguaçu.
Não sei quem foi o primeiro a dizer que cabe às mulheres o direito da escolha de seu par masculino, ou seja, é a mulher que escolhe o homem. Mas amplio esta idéia à carona. Assim, na minha condição de homem viajante, afirmo: mulher e carona que te escolhem, não o inverso.
Neste sentido, esperar uma carona e buscar uma mulher têm muitas semelhanças. Já dizia o Cássio que esperar uma carona era como estar em uma balada só com mulheres se divertindo enquanto você, homem, está encostado na parede, isolado no canto, chupando dedo. Se pensarmos desta forma, isto é, se pensarmos na estrada como uma balada, acho que teríamos as seguintes fases inerentes a ambas:
1 - Fase da expectativa: começo de tudo. Define-se a estratégia conforme as possibilidades: ficar plantado dando sopá, ou partir pra cima. Se não há posto de gasolina, só resta estirar o braço e levantar o polegar. Caso contrário, abre-se o maior sorriso e se aborda o alvo da melhor maneira possível. O tamanho do sorriso é inversamente proporcional ao número de NÃOs que você levar.

2 - Fase da angústia: seus sintomas se referem à descrição feita pelo Cássio. É a fase em que o acúmulo de NÃOs começa a pesar em sua auto-estima. Às vezes, é preciso se enconstar no canto e recuperar as forças.

3 - Fase do desespero: a fase do qualquer coisa serve. Pode ser caminhão carregado a 40 km/h, carro caindo aos pedaços ou carroça velha. Isto se você não for um daqueles que tá disposto a despender uma graninha. Tudo isso só pra dar uma revigorada e parecer que houve algum progresso.

4 - Momento de surpresa: não necessariamente vem após da fase do desespero. Não é uma fase, mas um momento. Um momento no qual mesmo aquelas que parecem impossíveis de pegar, acabam te escolhendo.

E foi assim que passou um POLO preto, todo filmado, e pensei: "vou pegar". Mas meu momento de surpresa não parou junto com o carro. Quando abri a porta e vi a parte traseira sem banco nem estepe pensei que o carro fosse roubado e eu seria a próxima vítima. O motorista era um índio guarani que ficava falando pelo rádio toda hora em espanhol, português e guarani. Prontamente, percebendo que fiquei assustado com a precária condição interna do veículo, ele me explicou que puxava mercadoria do Paraguai.
Não se tratava de um, mas ao menos seis carros que, sem dúvida, muito jovem gostaria de ter: vectra, astra, golf, polo. Todos com rádio e insufilm, mas sem banco traseiro e estepes. Na frente vai um automóvel normal para verificar se não há bloqueio policial na estrada. Havendo suspeita, desviam por estradas de terra paralelas à rodovia. Era o caso naquele dia, e tive dó da suspensão do pobre Polo. No caminho, havia um outro carro atolado em um pequeno barranco, que visivelmente não fazia parte do bando (era um chevet velho), e carregado de mercadorias. Disseram que só um trator poderia tirá-lo de lá e continuamos a viagem.
De volta à rodovia, enquanto cortava os demais carros a 140km/h, Pablo me explicava o esquema: cada carro transporta cerca de U$S5.000 por dia, fazendo duas viagens de ida e volta (Foz do Iguaçu-Cascavel). Pegam a mercadoria que era descarregada numa favela no lado brasileiro por meio de barco e depois devolvem o carro para o seu chefe. Falou-me também sobre os riscos de assalto no percurso, principalmente quando se pegam os desvios, e me relatou alguns casos em que os carros foram baleados.
Fiquei em um posto de gasolina já em Foz do Iguaçu e me dirigi às cataratas. Os R$17,00 gastos valeram à pena e tive uma das vistas mais lindas de minha vida. Parei para descansar e escrevr um pouco na frente de uma lanchonete e, sorrateiramente, fui vítima de meu primeiro roubo. A dupla de quatis levaram os biscoitos que havia ganhado no dia anterior em Yuba, antes de partir.Tratava-se da única coisa que tinha pra comer...


Como era cedo e a fronteira com a Argetina ficava muito próxima das cataratas, atravessei pela ponte Tancredo Neves a pé. Estava muito animado porque nunca havia ido à Argentina, mas ao mesmo tempo receoso com a disposição dos argentinos de concederem carona. Cheguei em Puerto Iguazú antes das 16h e fui direto a um posto tentar carona. De um lado, havia inúmeros caminhões brasileiros e argentinos aguardando para entrar no Brasil, alguns, inclusive, esperavam outros companheiros que estavam presos nas rodovias argentinas por conta da greve dos agricultores. De outro, quase não havia caminhões que estavam entrando na Argentina, e os que estavam na aduana teriam que aguardar até a manhã do dia seguinte.




Já eram 19h quando desisti e fui procurar algum lugar para passar a noite. A rodoviária de Puerto Iguazú possuía segurança e funcionava 24h, então não tive dúvidas quanto a passar a noite lá. Mas os mesmos rapazes que cuidavam de minha integridade física, também zelavam pela reputação da rodoviária, se é que se pode falar assim. Quando tirei o saco de dormir e comecei a dar as primeiras pescadas sentado no banco, o segurança me deu uns chutinhos na bota e me disse: "no puede dormir acá. Simula, simula!". Então peguei um livro e tentei seguir sua recomendação. Não passou muito tempo e outro segurança veio me perguntar a que horas pegaria o ônibus, respondi que ainda não sabia e iria comprar o bilhete só pela manhã.
E assim foi até às 5h da manhã, quando me retirei, não sem antes agradecer aos seguranças por sua paciência. Fui até à rodovia e continuei a tentar carona. Um carro velho parou para mim e me deu a carona mais rápida do mundo: rodamos no máximo 1km, até um posto minúsculo. Lá havia um ônibus que descia para Posadas, a 300 km de Puerto Iguazú. Conversei com o cobrador e, por cinco dólares, levei quase seis horas para chegar na cidade.
A partir daí, os efeitos devastadores da auto-estima que advêm do fato de não se conseguir nenhuma carona começaram a pesar e a síndrome de abstinência à Yuba começou a ser sentida. Naquela hora em que me dirigia à rodoviária de Posadas para pegar um ônibus até Buenos Aires, realmente queria pensar que o responsável pelo meu fracasso era a greve, mas não fazia sentido nenhum. Exausto de tentar carona por quase sete horas e meia e somar somente dois quilometros, além de um táxi que achou que eu ia pagar e me deixou num ponto de ônibus após 50 metros, gastei 89 pesos (aprox. R$45,00) para percorrer os 1000 km que me separavam de B. Aires. Apesar de sair barato em relação ao padrão brasileiro, a sensação foi de derrota.
Em Buenos Aires, encontraria-me com a Satomi (a amiga japonesa que toca pandeiro) e ficaria na casa de seus amigos (Mariana, Alex, Nicho e Valeria) no tradicional bairro de San Telmo, muito próximo de La Boca. Apesar de estar bem alojado e na companhia de ótimas pessoas, não me sentia bem, tanto que a Satomi percebeu minha aflição. Estava com receio de continuar tentando as caronas e Yuba não saía de minha cabeça. Evidente que isto prejudicou o aproveitamento da viagem, mas ainda assim realizei uma série de atividades que me possibilitam dizer que estive em B. Aires: assisti ao tango, comi asado (presente de aniversário da Satomi. Obrigado!), tomei o tradicional submarino do Café Tortoni, bebi Quilmes, vi a Bombonera, assisti a uma manifestação de estudantes do segundo grau na frent da Casa Rosada, tomei muito mate, vi as Madres de Plaza de Mayo...



Manifestação de estudantes do 2º grau

Passei uma noite muito agradável e interessante com Choi, um amigo do Allan que fez ESPM, David, seu amigo ilustrador, e a Satomi, em um bar no centro de Buenos Aires. Em um momento da conversa falamos sobre os motivos de minha viagem e o filme Natureza Selvagem (conta a história real de um jovem de classe média-alta que conclui a faculdade e viaja rumo ao Alaska). Ainda não assisti a ele, apesar de ter ouvido muito a respeito. Mas mesmo assim, posso afirmar que, ao menos até encontrar Yuba, meus objetivos de vida eram muito claros, ou que eu sabia qual era o Alaska da minha vida, como o Choi tão bem perguntou.
E esta pergunta, "qual é o Alaska da sua vida?", continuou a me perturbar durante um tempo considerável. E quanto mais difíceis se tornavam as condições da viagem, maior era meu desejo de estar em Yuba e, assim, titubeavam as minhas convicções que pareciam tão solidamente erigidas antes da viagem.
Deixei Buenos Aires e parti rumo à Bahía Blanca (690 km de B. Aires), ao sul da província, de trem. Pensava em ir até Viedma para pegar o famoso Trêm Patagônico que vai até San Carlos de Bariloche. Deu início, assim, a parte mais difícil da viagem pela Argentina, na qual a dificuldade em se conseguir caronas me levou ao trade-off transporte-hospedagem para que eu pudesse manter meu orçamento. Dessa forma, pagava o transporte, mas dormia em rodoviárias. Contudo, se por um lado podia decidir acerca deste trade-off, por outro, tinha que superar o companheiro que subiu comigo em B. Aires na classe econômica do trem e me acompanharia por muito tempo: o frio.
Usava toda a roupa que possuía e minha mochila estava muito mais leve, mas mesmo assim, e ainda me cobrindo com o saco de dormir, era impossível manter todo meu corpo aquecido. Preocupei-me principalmente com meu peito, o qual consegui manter quente, em contraposição às pernas, que sempre estavam frias. O pior era ter de ficar aproximadamente 14 horas na rodoviária para não enfrentar o período mais rigoroso, das 18h às 8h, e mesmo assim continuar com os tornozelos gelados. Foi assim em Bahía Blanca e Viedma, província de Rio Negro.
Minha insatisfação era bem expressa com a pergunta que me fiz nos três dias mais congelantes: "que merda estou fazendo?". E a pergunta era mais reflexo de Yuba ter mexido com meus ideais do que propriamente com a dificuldade que o frio proporcionava. Talvez, se eu tivesse feito como os viajantes japoneses que terminavam suas jornadas em Mirandópolis, iria afirmar: "O Alaska da minha vida é Yuba". Mas não, Yuba era apenas para ser o começo da viagem... o primeiro destino de meu itinerário... e me pegava desejando estar somente lá, desejando ingressar indefinidamente naquele estilo de vida.
E, de repente, alguns minutos depois de ter me recolhido para a rodoviária de Viedma e sentado naquilo que seria minha cama provisória (um banco de quatro assentos), a mudança, ou o retorno das antigas convicções, começou a acontecer. Pensei firmemente porque estava lá, porque estava me submentendo àquelas situações que não me devam prazer algum ou talvez parecessem vazias de aprendizados. E simplesmente a resposta pulou em alguma parte do meu cérebro: por mais que eu desejasse viver uma vida "como os lírios do campo", cultivando a terra, amando as artes e vivendo para a famíla, eu ainda teria que lidar com a auto-cobrança recorrente de sentir que estou contribuindo para o desenvolvimento de algo que ultrapassa o círculo familiar, apesar de acreditar que ela seja a instituição baseda sociedade.
Desta forma, a viagem seria o tempo de aprender com as dificuldades, mergulhar em mim mesmo com a solidão, ouvir as experiências dos outros mais do que falar das próprias. Este tempo que havia reservado seria a fase preparatória para me sentir, ao final, apto a lidar com este sentimento de auto-cobrança com pureza e sem arrogância. E assim, as coisas passaram a mudar: resignar-me com o fato de não ter conseguido carona tornou-se mais fácil; dormir na rodoviária, menos aflitivo; cumprir um cronograma e respeitar um orçamento, parte necessária do processo; tentar me "lavar" no banheiro da rodoviária, um quebra-galho indispensável; lidar com o frio, algo temporário.
Satisfeito com esta reflexão, fui ao banheiro me preparar para dormir, isto é, lavar o rosto, escovar os dentes etc. Quando retornei, deparei-me com um senhor folheando o guia Lonely Planet da Am. do Sul. Começamos a conversar e foi sensacional. Ainda que o assunto tenha sido o mais comum entre os homens, mulher, foi extremamente divertido ouvir as experiências amorosas de um americano com quase a idade do meu pai, solteiro e sem filhos. Ele havia estado em Bariloche e me sugeriu um hostel.
No dia seguinte, optei por sair da rodoviária mais cedo, ainda que fizesse frio e não houvesse sol. Fui a uma biblioteca pública acessar à internet e, tendo superado a fase de crise, achei que poderia perguntar a opinião de meus amigos, pois isto não seria mais um paliativo sentimental.
Já no Trêm Patagônico, ao final do dia, conheceria uma série de famílias e me divertiria com suas crianças, além de ficar muito amigo de um senhor chamado Juan, o qual repartiu comigo sua comida, balas e água. Ainda por cima, já em Bariloche, a filha do Sr. Juan me deu carona até o centro da cidade. Eu, por minha vez, emprestei-lhe o poncho e repartimos o papel laminado (saco de emergência) que retém calor. Estava curtindo, apesar da pouca calefação do trêm e de nevar durante a madrugada.
Do lugar de onde me deixaram no Centro Cívico até o 1004 Penthouse, hostel sugerido pelo americano, precisava andar somente uns 100 m. O lugar era fantástico: com uma vista incrível do Lago Nahuel Huapi, café da manhã, gringos interessantes e macarrão, alho e óleo (ingredientes que podem ser livremente consumidos e com os quais poderia fazer o prato que se tornaria minha especialidade). Também havia chegado durante a Fiesta de la Nieve, o que me pareceu uma tentativa da prefeitura de antecipar a temporada, e assistiria aos fogos de artifício do domingo na varanda da cobertura, depois de fazer trekking nos cerros ao redor do Lago. Seria ótimo compartilhar o que vi, mas não tenho registro fotográfico algum (procurem imagens no google) porque, como lerão, fui assaltado no Paraguai.
Duas coisas relacionadas as minhas convicções me deixaram muito contentes em Bariloche: uma conversa com Joe, americano, 41 anos, 32 países; e a resposta de João (amigo do DAGV e experiente em viagens) ao e-mail de Viedma. Joe é formado em Ciências Políticas, trabalha (faz dinheiro) para viajar. Conhecê-lo foi importante para mim não só porque seu estilo de vida é interssante, mas porque ao ouvir suas experiencias, negava a minha vontade de sguir seus passos, dando consistência ao meu plano de viagem. Já a resposta do Zanini me deixou orgulhoso de mim mesmo de ter conseguido me encontrar e estar aproveitando melhor a viagem.
Na segunda-feira partiria pra Neuquén, ao norte. Novamente não consegui caronas e fui de ônibus. Passei o dia lá conhecendo a cidade e, à noite, peguei o ônibus para Mendoza. Economizei quase 30 pesos (R$15) e pela quantidade de paradas que me acordavam constantemente, percebi o porquê da diferença. Há três horas de Mendoza (4h30 da madrugada), o funcionário da companhia me acordou dizendo que trocaríamos de ônibus: mais essa, mas valeu à pena.
No outro veículo estava Michele, um italiano que conheci no 1004. Chegando em Mendoza, não imaginei que ele iria querer a minha companhia, até porque, por estar gastando muito com transporte, teria que dormir na rodoviária. Expliquei minha situação a ele e disse que seria melhor cada um seguir seu caminho, mas, mesmo assim, ele queria que eu o acompanhasse até o hostel em que se alojaria.
Paguei o ônibus que nos levaria até lá porque ele não tinha moedas naquela hora e fiquei torcendo pra ele me pagar o equivalente a duas viagens, dado que, da minha parte, teria ido a pé. Deixei-o no albergue e combinamos de tomar um vinho às 19h lá mesmo. Assim, fui conhecer Mendoza, para mim a cidade mais agradável da Argentina: bem urbanizada, com ruas largas e muitas praças para se precaver de terremotos como o de 1861, que destriu quase toda a cidade.
Por volta das 15h, quando estava descansando na Plaza Independencia, a principal da cidade, um grupo de estudantes do segundo grau se "encantaram" com meus olhos puxados e começaram a puxar conversa.
Um deles, que tentava parecer o mais descolado, disse-me que havia uma lanchonete lá perto caso eu quisesse comer alguma coisa. Achei a sugestão bem deslocada do contexto e nos entedemos quando perguntei se era "sin cargo?". Um pouco depois, ele me perguntou se eu não queria fumar marijuana e pensei comigo: por que convidar para uma refeição não pode ser um ritual tão sociável como uma roda de mate/tererê ou um convite para se fumar um banza? E mais: quantas refeições eu poderia ter feito até o momento se cada convite para dar um tapa fosse substituído por um prato de comida? Recusei e fui procurar algum lugar para comer o pão que tinha guardado na mochila.
Quando estava a uns 200m de distância, um segurança veio me perguntar se os jovens não haviam levado nada de minha mochila. Já havia verificado e disse que não. Só fui me dar conta da ausência de um estojo que continha borracha, lapiseira e caneta, uma hora depois, quando ia escrever. O prejuízo foi pequeno, mas não pude acreditar em minha ingenuidade.
Às 19h passei no albergue do italiano e não teve jeito. Ele disse que não me deixaria dormir na rodoviária e pagaria minha diária. Insisti que não havia problema, haveria bastante segurança, não fazia tanto frio e eu estava acostumado. Naquele momento, vi o quanto era difícil viajar a minha maneira a dois. O fato de eu controlar meus desejos e passar vontade não era um problema, mas o mais difícil era lidar com o constragimento do outro que se sente numa situação mais confortável. Passei muito tempo explicando o porquê de dormir na rodoviária, ou ainda viajar de carona e andar somente com uma calça (pior do que pisar em chiclete é sentar em um. Tive que explicar pra ele que não podia tirar a calça para lava-la porque só estava com aquela).
Naquela noite, jantaria a minha especialidade (macarrão alho e óleo), tomaria a cerveja Andina e a Quilmes, poderia usar a internet e dormiria em uma boa cama graças ao italiano de Peruja.
Se não bastasse despender dinheiro por mim, ele ainda queria passar o dia seguinte a minha maneira. Assim, fomos até Maipú para conhecer as bodegas mendozinas. Só entramos em bodegas gratuitas e caminhamos mais de 7km juntos ao invés de gastarmos 15 pesos cada um com o aluguel de bicicletas. Ainda que ao final do passeio Michele naturalmente começasse a dar indícios de seu cansaço em se deixar levar por meu estilo (capotou no ônibus que nos levava de volta ao centro, resmungava do meu bafo de alho, ficava boa parte do tempo calado, dizia que não se pode viajar desta maneira...), ele me deu uma enorme lição de como eu deveria me portar na viagem: com humildade (em momento algum o italiano respondeu "temos que fazer assim", sempre me perguntava o que eu preferia fazer), aceitando as condições que somente ela própria, a viagem, me impõe. Seria a estrada a diretora de meu road movie particular e mestra das lições que estariam por vir.
Despedi-me de Michele e fui à rodoviária. Iria para Córdoba e ficaria em uma república de biólogos amigos do Bruno (amigo da Federal. VALEU BRUNO!). Cheguei no dia seguinte, sexta-feira, por volta das 8h da manhã. Também gostei da cidade e fiquei satisfeito com a temperatura, que desde Mendoza estava se tornando mais quente. No guichê de informações turísticas vi o anuncio do Refugio Nocturno Cáritas (albergue gratuito de uma igreja católica), achei que seria interessante passar uma noite lá, mas preferi deixar para domingo.
Na república moravam quatro rapazes - Lissa, Nacho, Daniel e Juan - e logo de cara percebi que me daria bem: ao ver a pilha de louças a serem lavadas, senti q poderia ser util (patético, mas verdade).
Com Juan é que passei a maior parte do tempo. Ele tinha que resolver umas coisas no centro e me mostrou a cidade. Senti falta dos tempos de DAGV ao entrar nas instalaçãoes da Universidade de Córdoba, a mais antiga do país (iniciada em 1640). Ainda me convidaria para acampar em Costa Blanca, às margens do Rio San Antonio, de sábado para domingo, pois uma cooperativa de estudantes iria fazer seus estudos lá. Chegamos no lugar em que acamparíamos sábdo à noite, por volta das 20h, horario em que já se estava suficientemnt escuro. Recebmos auxílio de Hermes, cordobês que estava há 9 anos morando em uma barraca às margens do rio, rodeado pelos pequenos cerros. Fizemos a tradicional roda de mate para nos esquentar e conversamos. A noite estava muito fria e foi difícil dormir.
No dia seguinte, fizemos trekking pelos cerros e pelas margens do rio, almoçamos às 15h30 e me despedi de Juan ao final do dia, pois eles passariam mais uma noite enquanto eu precisava retornar à Córdoba para passar a noite no Refugio Nocturno. Retornei à república, arrumei minhas coisas rapidamente e me despdi dos demais. Cheguei no refugio por volta das 21h. O albergue era muito limpo e organizado, nada se parecendo com o que conheci no Bixiga por meio do Bixo Solidário do DAGV há uns anos. Por ser domingo não havia muitas pessoas, dado que a maioria se abriga durante a semana por conta de consultas médicas nos hospitais cordobeses.
Recebi uma fronha, dois lençóis, uma toalha, xampu, dois cobertores e um papel contendo as normas do refugio. Banhei-me com água quente e jantei arroz e frango.
A noite, difernt do que eu imaginava, não seria tão tranquila. Havia soment mais duas pessoas além de mim no quarto que poderia acolher até seis homens, mas mesmo assim foi dificílimo dormir. Estava no meio dos dois e, enquanto o cara do lado esquerdo parecia ter na garganta o motor de um daqueles caminhões velhos em que havia pegado carona, o do lado direito não parava de resmungar do ronco do amigo.
No dia seguinte, acordaria às 7h e tomaria café da manhã com outras pessoas que ainda não havia conhecido. Daniel, do interior de Córdoba, estava com seu filho de 11 meses internado no hospital. Uma senhora de idade tinha falta de hormônios e ficaria na cidade até quarta para realizar consultas. Renato e Mateus, de Salta, estavam na cidade à procura de emprego. Enfim, todos estavam provisoriamente alojados no Cáritas.
Não havia cidades que fazia questão de conhecer, e também não teria tempo para visitar Catamarca, Salta ou Jujuy. Então passei a focar Asunción, Paraguy. Antes passaria pelas cidades de Rio Seco (Província de Córdoba, 250km da capital); Ojo de Agua (Província de Sgo Del Estero, a 50 km de Rio Seco); Sgo Del Estero (capital), dormiria na rodoviária de Sgo Del Estero. Caminharia até La Banda, vizinha de Sgo, e pegaria um ônibus até Resistência (capital de la Provincia del Chaco). Finalmente, de Resistência, e somente com 23,20 pesos no bolso, gastaria 20 pesos com o ônibus até Clorinda, fronteira com o Paraguai. Valeu à pena, apesar de ter feito uma parte da viagem de pé, porque não havia lugares suficientes para todos. Tomei mate com uma senhora muito boazinha e conheci outras pessoas que iriam até a ponte Loyola. Estas me passaram informações sobre a fronteira, os cambistas e suas cotações.
Ao descer do ônibus, vi adiante, atravessando a ponte, uma família composta por três mulhers carregadas de bagagem. Ajudei a levar algumas malas e foi assim que se iniciou uma nova etapa da viagem: Paraguay, a qual reservava uma grande decepção, mas muitas surpresas boas.