Thursday, January 29, 2009

Rumo ao Egito

Nao foi sem nenhuma dificuldade que atravessei o portao de embarque. Quando se esta viajando ha quase seis meses vindo de solidao em solidao e dificilassumir o papel de filho e deixa-lo levando toda sua suposta auto-suficiencia.
A cumplicidade de meus pais vem desde a preocupacao de minha mae em comprar cada um dos livros que pedi, ate o compartimento secreto que meu pai criou -ou melhor, costurou - no meu cinto para que eu nao tivesse de esconder dolares na cueca.
Mas, ainda que me cortasse o coracao perceber que meus pais estavam imoveis em frente ao vidro do portao de embarque por horas seguidas esperando umabreve aparicao minha a 40 metros de distancia, havia muitas preocupacoes em minha mente. A maior delas era em relacao ao visto egipcio. Sabia que poderiatira-lo no aeroporto de Cairo, mas a funcionaria da Iberia fez tanto escarceu no check-in que fiquei assustado.
Ela me disse que eu podia ser deportado por conta de nao ter passagem de volta. So pra garantir, fiz uma reserva de voo. Alem disso, ainda nao tinha ideia de ondeia ficar em Cairo. Nao havia comprado guia de viagem e talvez mal soubesse localizar a capital egipcia num mapa.
Na verdade o que mais me assustava era exatamente nao saber o que sentiria ao desembarcar. Isto porque viajar de aviao e muito comodo. Em 30 horas se chega a qualquerparte do mundo sem fazer nada. O maximo de esforco que se faz e ao se levantar para ir ao banheiro. A comida vem ate voce, e ate uma cerveja, um whisky, um vinho.Nao se tem paisagem, exceto as dos filmes que sao exibidos. Nao ha uma interacao com locais durante o percurso... Tudo isso contribui para que o choque cultural sejadevastador no momento do desembarque.
Em Madri, sentado em frente ao portao 49, comecei a ter uns espamos de solidao. Nao havia nenhum outro passageiro em um raio de 50 metros. Comigo havia apenas o relogioque indicava mais cinco horas para o meu voo, um pe direito elevadissimo e uma faxineira que esfregava o chao... "A mi soledades voy, de mis soledades vengo".
Ja no aviao, alguns minutos antes da aterrissagem recebemos o formulario da imigracao. "Nome", ok; "Sobrenome", ok; "Endereco"? Enrosquei. Achei que poderia ser um problemadeixar o espaco em branco e, discretamente, consultei o que a senhora ao meu lado havia escrito, "Oasis Hotel".
As 22h30 locais, chegou a hora da verdade. O Cassio, num dos seus relatos de viagem, escreveu que se sente estrelando um filme a la James Bond quando desembarca em aeroportos.Minha sensacao ao sair do aviao foi de peao indo pegar o metro.
Atravessei um corredor estreito e com pe direito baixo. Um carpete azul esburacado e sujo so piorava o visual. Logo em seguida ja me deparei com um monte de funcionarios de hoteissegurando plaquinhas com "Mr. Samuelson", "Mr. Hussen". Fiquei assustado porque pensei que tivesse errado o caminho e pulado procedimentos imigratorios. Mas logo em seguida viuns guiches e algumas catracas. Um senhor me disse que deveria comprar minha estampa numa daquelas bilheterias e depois entrar numa fila.
Todo papo da embaixada egipcia de que sao necessarios foto e vacina contra febre amarela para se tirar o visto, bem como o escandalo da funcionaria da Iberia era tudo balela.Os funcionarios da imigracao simplesmente colaram a estampa no meu passaporte e carimbaram. Estava pronto meu visto, em menos de cinco minutos.
Recolhi minhas malas e nem precisei comprovar que elas eram de fato minhas. Logo na saida fui abordado por um funcionario de uma agenca de turismo. Assim, mal tive tempo de pensarem choque cultural ou nas diversidades que estariam por vir. Como sabia que ia passar a noite no aerporto, deixei me levar pelo jovem rapaz. Conversamos por algumas horas e, as 2h,dormi num dos bancos do terminal.
As 5h30 da manha fui procurar o onibus que me levaria ate o centro da cidade. Por sorte seu numero era 400 e tive alguma pista para identifica-lo: dois simbolos iguais representadoos zeros. A partir deste momento so comecei a apanhar com a barreira do idioma e com algumas verdades obvias. Transformados em mandamentos, diria-se:1 - nao espere que taxistas te ensinem como pegar o onibus para o centro da cidade;2 - nao perguntem em hoteis sobre outras acamodacoes mais baratas;3 - saiba que se voce nao estiver disposto a negociar o preco do falafel (um tradicional sanduiche arabe), morrera de fome.
Assim, talvez haja somente uma explicacao astrologica para o fato de eu ter conseguido um quarto privado com teve e banheiro por quatro dolares no primeiro hotel que entrei. O dono mechamou, mais tarde, para dizer que seu funcionario tivera um acesso de altruismo quando se prontificou a me dar um quarto de 25 dolares por aquela mixaria e pediu que eu ficassesomente aquela noite. Mas, para mim que estava esgotado, era o tempo que precisava para descansar e poder procurar um outro lugar no dia seguinte.
Dormi algumas horas e fui caminhar pelo centro de Cairo. Acho que estava estampado na minha testa "turista recem-chegado" e, a cada dezena de passos, era abordado por alguem. Meudeslumbramento com a cidade ia dos entulhos as moscas, e nao recusei nenhum convite que recebi. Em menos de quatro horas ja havia bebido mais de cinco xicaras de cha e fumado dois cigarros, apesar de dizer que nao fumava.
No final do dia estava acabado. Sentia que todos com quem havia estado tinham sugado minhas energias. Apesar de nao ter gastado um vintem, foram inumeras as vezes em que as pessoasso queriam meu dinheiro ou algum bem material que possuisse (flertaram ate com o meu relogio do Paraguai).
Para se ter uma ideia, o dono de um hostel, apos fazer pose oferecendo cha e cigarro, ao me ouvir barganhando o preco foi categorico: "Va embora. Este lugar nao e para voce. Este lugarnao e para gente pobre".
Tive dificuldades para dormir naquela noite e fui acordado pelo funcionario do hotel ao meio-dia e meia. Fui procurar um albergue barato e, depois de muitas horas, encontrei o Sultan Hostel que cobrava apenas tres dolares por uma cama que ja vinha com "bed bugs" (nao sei se eram carrapatos, mas definitivamente nao eram pulguinhas graciosas). Foi laque passei a maior parte no Egito.
Ja disse que estava vivendo um romance com Cairo, mas ainda nao se direito o porque. Se eu fosse descrever a paisagem, ao dizer "gatos, mosquistos, entulho, poeira e carros" jadaria uma imagem 90% verossimil.
E, apesar da poluicao que me permitiu ver uma unica estrela no ceu da grande cidade, do incessante barulho das buzinas, dos falafeis embrulhados em papel sulfite que deviam serrefugos de copiadoras, do cigarro fumado pelo meu vizinho no vagao do trem ou pelo cozinheiro enquanto ele me servia uma porcao de full (um creme feito com feijao), sou louco de paixaopela capital egipcia.
Adorava passar os finais de tarde tomando leite com acucar e canela e fumando uma sheesha (narguile) nos tradicionais cafes egipcios no meio da rua. Adorava ser abordado por criancase ter de acionar, eu mesmo, suas paixoes futebolisticas diante da perplexidade de verem um rapaz com cara de asiatico dizendo que era brasileiro (o Zanini so tinha de dizer, "Brasil, Brasil"que os egipcios retrucavam, "Ronaldinho, Ronaldinho". Eu tenho que falar, "Brasil, Brasil", encarar uma feicao de ponto de interrogacao, e completar, "Ronaldinho, Ronaldinho").
Ate mesmo pelo transito tinha uma atracao particular (acho que se trata de uma das coisas mais caricaturais das grandes cidades). E conclui, apos receber a ajuda de um menino dedez anos para cruzar uma avenida, que uma crianca em Cairo aprende duas coisas prematuramente: recitar o Al Fatiha (a abertura do Corao) e atravessar a Sharia Tahrir (a "rua" maislouca da cidade).
Talvez pela companhia de Ronald, um alemao que viaja ha oito anos e sempre tem uma historia bizarra para contar (de suas experiencias sexuais no Ira ao mercado de AK-47s por cincodolares no sul do Sudao), e pelo sentimento de onipotencia diante dos precos que me permitiam comer chocolate e beber cerveja quase que diarimante, Cairo foi tao inesquecivel.

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