Wednesday, October 22, 2008

Editorial do Estadao de hoje

O consenso, na Bolívia

Após 12 dias de negociações, na madrugada de ontem a Comissão de Conciliação, composta por representantes dos quatro partidos com assentos no Congresso boliviano, chegou a uma solução de consenso para pôr fim à violenta crise política - pelo menos 30 pessoas morreram em conflitos de rua - deflagrada pela decisão do presidente Evo Morales de convocar um referendo para a aprovação da nova "Constituição bolivariana" em janeiro e pela reação dos Departamentos da chamada "meia-lua", contrários ao texto constitucional e favoráveis à autonomia de suas regiões. Em seguida, numa reunião que durou 18 horas, o Congresso aprovou leis que consagraram os principais pontos do consenso. Foi confirmada a convocação do referendo para o dia 25 de janeiro, como queria Evo Morales. Mas ele teve de abrir mão dos dispositivos da nova Constituição que lhe permitiriam governar, em sucessivas reeleições, até 2019. Também teve de concordar com a reforma de pouco mais de 100 dos mais de 400 artigos da Constituição "refundadora".Evo Morales havia convocado uma manifestação monstro para forçar o Congresso a aprovar a convocação do referendo. Pretendia repetir o estratagema utilizado para a aprovação da Constituição, em dezembro do ano passado, quando uma multidão cercou o quartel onde se reunia a Assembléia Constituinte e impediu que os parlamentares oposicionistas tivessem acesso ao recinto. Desta vez, prevenidos, os oposicionistas montaram acampamento no Congresso e não se intimidaram com as ameaças de cerco prolongado e até de invasão feitas pelos líderes da manifestação, que foi, de fato, monstruosa. Segundo o governo, havia 1 milhão de pessoas nos últimos 15 quilômetros da marcha; a imprensa local estimou a multidão reunida ao redor do Congresso em 100 mil; a oposição falou em "dezenas de milhares".Ontem, às 7 horas, Evo Morales, que desde a véspera liderava a manifestação, fez um discurso pedindo calma à multidão, pois o Congresso já iniciara a votação dos projetos. Prometeu, também, sancioná-los à vista de todos. E assim desarmou-se uma situação explosiva.Com os "ajustes" e "correções" que foram feitos, agora há poucas dúvidas de que o novo texto constitucional seja aprovado no referendo de janeiro. Os pontos que provocavam as maiores reações à Constituição "bolivariana" foram ou completamente alterados ou bastante abrandados. As próximas eleições gerais ocorrerão em dezembro de 2009. Evo Morales poderá candidatar-se à reeleição nesse pleito, mas não no de 2014. Fica reconhecida a autonomia dos Departamentos, que poderão ter suas próprias Assembléias Legislativas e administrar seus recursos fiscais. Mas os Estatutos Autonômicos terão de ser adaptados à Constituição.Ainda no capítulo da organização política do Estado, os magistrados do Tribunal Supremo de Justiça continuarão sendo eleitos por sufrágio universal, mas os candidatos não mais serão selecionados pelo Controle Administrativo e Disciplinar da Justiça - órgão sujeito à influência do Executivo -, mas pela Assembléia Legislativa. Além disso, a participação popular na tomada de decisões a respeito de políticas públicas cede lugar para a participação no planejamento dessas políticas - com o que se atenua a "democracia direta e participativa" que era parte do projeto bolivariano.No capítulo dos direitos econômicos, poderá haver desapropriação em caso de necessidade ou de utilidade pública, mas mediante lei que a autorize e indenização prévia e justa - o que o texto original não contemplava. Há, também, o reconhecimento dos estabelecimentos privados de ensino, que estavam proscritos na Constituição bolivariana. Não menos importante é o reconhecimento da propriedade da terra a todas as pessoas jurídicas legalmente constituídas no país. Em referendo será decidido se será considerada latifúndio a propriedade com 5 mil ou 10 mil hectares, mas o que for definido somente se aplicará às propriedades adquiridas após o início da vigência da nova Constituição.As adaptações atendem às reivindicações de importantes setores da sociedade - os mais produtivos - que haviam sido marginalizados pela Constituição bolivariana. Resta esperar que, com isso, a paz social retorne à Bolívia.

1 comment:

Anonymous said...

deu pra entender um pouco a situação complicada que se passa aí!!
Primeira vez q posto no blog..