Tuesday, October 21, 2008

Machu Picchu: o caminho é a meta











Cusco é uma cidade agradável, e se percebe o quanto a grana advém do turismo nao apenas pelos hoteis, restaurantes e cafés caríssimos, mas também pelas jaquetas da The North Face e pelas drogas oferecidas em varios idiomas nas ruas com albergues específicos para japoneses e israelitas, por exemplo.
Fiquei num hostel um pouco mais afastado do centro junto com alguns hippies. Ali, conheci Carlota e Lipo, española e venezuelano. Viajam juntos há mais de tres anos e estiverem em lugares como Camboja e Polinésia Francesa somente fazendo e vendendo artesanato (pulseiras e colares).
Fiquei impressionado com este fato e Carlota comecou a enumerar as pessoas que conhecera viajando pelo que faziam para ganhar dinheiro: “tem muita gente que paga a viagem fazendo trancas; conheci um japonés que fazia coisas absurdas com uma bola de futebol, ele poderia viajar assim, com certeza; tem outros que viajam escrevendo nome em arroz…”. Aproveitei a deixa para completar, “tem gente que tá vendendo sticker”.
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Por dois días, juntei-me as vendedoras de marcianos (geladinhos), cantitas (pipoca) e juegos (jogos e brinquedos de crianca) na saida de um grande colégio de Cusco para vender meus stickers. Numa dessas ocasioes, uma menina me disse que os precos estavam muito altos. Antes que isso pudesse me constranger, pensei em como é maravilhoso o livre-mercado.
Depois de trabalhar um pouco, ia passear pela cidade, mas sempre com os sticker ao alcance, porque Cusco estava cheio de jovens que realizavam sua viagem de formatura do secundário (ensino médio). Assim, se por um lado eu nao sou um fenómeno no mundo inteiro como Barack Obama, por outro, meus olhos nao deixavam de ser puxados por conta de eu ser brasileiro e a tara étnica continuará ativa até eu chegar na China.
Assim, a maneira mais elegante que tinha para aproveitar a situacao, sem pedir diretamente dinheiro pelas fotos que as meninas de 17 anos queriam tirar comigo, era oferecendo os stickers.






Jovens da "Promo" com seus stickers apos pedirem fotos.



Já de volta ao hostel, durante a noite, quando já dormía, um escoces se alojou em meu quarto. O rapaz nao podía esperar ate a manha seguinte para me conhecer e falava mesmo dormindo. Das coisas que entendi daquilo que falava, deu para perceber que sua língua nativa era o ingles, porque era a que mais utilizava, e certamente havia estado no Brasil, porque ele soltou um “puta que pariu” entre os “It is nice” e “Ok”.
De fato, Andrew, o rapaz escoces, havia passado alguns meses em nosso país. Agora subia até Cartagena, Colombia, de onde quería pegar um veleiro para subir a América Central.
Lipo e Carlota, após brincarem quando perguntei sobre a possibilidade de se viajar em cargueiros, disseram-me que era bem difícil a menos que eu me tornasse a mocinha dos marinheiros, também falaram que era possível cruzar o Pacífico de veleiro. Apresentaram-me o fantástico findacrew.com (site que relaciona proprietários de veleiros com viajantes a procura de uma boa aventura), ao qual aderi rápidamente.
Nao sei se vai rolar, principalmente porque já recebi respostas negativas de proprietários de veleiros que vao a Austrália mas estao mais a procura de um romance platónico com uma bela joven do que de mais uma viagem no seu lar flutuante (que partam entao para sites de namoro, encontros! Estao no lugar errado!).
Antes de iniciar minha viagem pela suposta “rota alternativa para Machu Picchu” (todos que nao tem U$S86 para ir e voltar de trem viajam por este caminho), preferí ter aulas de artesanato com Carlota a sair para vender stickers. Assim, aprendi quatro pontos e parti, lá pelas 16h, para comecar minha aventura rumo aquilo que de melhor esta preservado da cultura Inca.









Aula de artesanato com Carlota: Andrew, Jorge e eu.





O plano era:
1 – Viajar com caminhao – já havia negociado com um caminhoneiro – até Santa Maria. Previsao de viagem: sete a oito horas. Economia: 10 soles (o onibus custava 15 soles e levava cinco horas).
2 – Pagar uma kombi que me levasse até a estacao ferroviaria Hidroelétrica (10 a 15 soles).
3 – Caminhar pela linha férrea até Aguas Calientes (Machu Picchu). 8km, gasto zero.
4 – Dar um jeito para entrar nas ruínas.
Havia combinado com Ricardo, caminhoneiro, que ajudaria a carregar seu caminhao e lhe daría mais cinco soles em troca de uma carona ate Santa Maria. Cheguei as 17h, horario combinado, e acabei trabalhando para um outro caminhoneiro que antes nao quería me levar por julgar que eu tinha dinheiro para ir de onibus e nao estava disposto a fazer forca.
Carregamos sacos com garrafas pets, racao de chancho (porco), butijoes de gás, pedacos de vaca muito mal embrulhados, fardos com frangos congelados, placas metalicas… Tres horas depois, quando ja haviamos terminado de carregar o caminhao, ajudei a subir as ultimas “encomendas”: tres senhoras que voltavam para suas casas depois de venderem frutas em Cusco e uma senhora que levava as racoes de chancho para a sua irma.
Resolvi jantar depois de o senhor Elber, o caminhoneiro que nao tinha ido com a minha cara, me dizer que nao me cobraría pela viagem. Quando voltei o caminhao ja havia sido fechado e coberto com lona, mas havia um buraco por onde podía entrar. Sem enxergar absolutamente nada, instalei-me cuidadosamente, para nao golpear as senhoras, no único lugar possivel: em cima dos fardos de frango congelado.
Paramos por quarenta minutos em um posto de gasolina e, perdendo calor para aqueles pollos, comecei a pensar em alguma forma menos congelante de passar as próximas horas. Sabia que a parte mais fría seria na madrugada, quando chegassemos numa serra (disseram que se chama Porto Suarez) com posibilidades de neve, e julguei que seria melhor arrumar uma maneira de armar minha rede garimpeiro, adquirida em Rio Branco.










Minha rede garimpeiro armada na carroceria do caminhao.





Apesar da sua aparente fragilidade (além de ser de tecido bem fino e costura simples, estéticamente é de cor azul-bebe com coracoezinhos – a opcao mais leve e barata que tinha na ocasiao da compra), a rede aguentou os pulos que dava por conta da estrada sem pavimentacao. Razoavelmente bem acomodado, sentí-me a vontade para tirar as botas por conta do forte cheiro da racao de porco e comecei a pensar em algebra aplicada: se meu corpo é uma parábola e a superficie formada pelos fardos com frango for o eixo das abscissas, entao o delta desta equacao de segundo grau é igual a zero, porque há somente um ponto em que a parábola toca o eixo x: o ponto constituido pela minha bunda. Podem imaginar ou querem que eu desenhe (talvez desenhar seja melhor…)?
Como previsto, após a meia-noite nao podía mais aguentar o frio. Mesmo com o sleeping, minhas pernas congelavam, e eu acordava de tempos em tempos para esfregar minhas maos nelas antes de voltar a dormir. Ao menos imaginava que ja estavamos perto de Santa Maria, dado que a previsao era de sete horas de viagem.
O caminhao fazia paradas frequentemente – nao podíamos ver o porque – e as senhoras e eu só fomos perceber que uma delas durara horas quando ouvimos o cantar dos primeiros pássaros anunciando a alvorada. Logo as senhoras comecaram um coro em quechua - lingua indígena mais falada no Peru – dirigido ao motorista: Noka ispassa kawamanki! (Quando eu urinar, vou ficar melhor), ou Hariki Suyaishasunki! (Meu marido está esperando!). Foi nesta hora que aprendi a frase que, unida aos stickers, torna-se imbativel em qualquer negociacao: Warmick Wakaisha! A primeira vez que a usei foi em Cusco, ao regresar de Machu Picchu. Cinco paes saiam por um sole, e eu quería sete pelo mesmo preco. A senhora dizia que nao podía, que era o preco normal para todos. Até que soltei, “Señora, warmick wakaisha!”. Ela olhou para sua colega e disse, “Este joven sabe hacer negocio”. Tudo porque aprendi a dizer em quechua: “Minha mulher está chorando [a me esperar em casa].”




Companheiras de viagem.



As senhoras pensavam que o motorista havia parado para dormir e tentavam acordá-lo para apressar a viagem. Muito prontamente o senhor gritou que descessem para urinar. E ai vimos a fila de veiculos que se formava descendo a serra. Fui conferir o que havia acontecido, passando por caminhoes e onibus com pessoas ainda dormindo, e duzentos metros a frente me deparei com um amontoado de pedras no meio da pista devido a um deslizamento gerado pela forte chuva da madrugada.




Contei mais ou menos 50 pessoas trabalhando para formar um caminho pelo qual os veiculos pudessem passar, e outras 50 paradas olhando. Juntei-me as que trabalhavam e comecei a retirar algumas pedras. O fato de eu ter caído e rolado no chao (nas pedras) nao foi o bastante para distrair ou desanimar os demais, que trabalhavam e incentivavam os que estavam a observar. Foi alentador quando um grupo de 20 homens se juntou a nós.
Recordo-me de que no início de uma aula de Macroeconomia o Ferrari, amigo da GV, me mostrou uns vídeos de um rali do qual participara no final de semana em Minas Gerais. Ao ver a adrenalina dos jippies passando por caminhos bizarros, pensei: “Preciso fazer isto um dia.” Acho que a sensacao que tive ao ver os onibus e caminhoes passarem por aquele monte de pedras nao foi muito diferente da dele e nao me sentiría mal de riscar esta experiencia da minha lista de 100 coisas que tenho de fazer antes de morrer.
Um motorista de onibus corajoso se prontificou a ser o primeiro. Tomou distancia, acelerou… e queimou pneu. Homens ficavam em torno do caminho para verificar os ajustes necessários. Após rearranjarem as pedras, o mesmo onibus tentou novamente: tomou distancia, acelerou, passou pela inclinacao da subida, atravessou a correnteza da agua da chuva que ainda descia a serra, bateu o chassi na descida… As criancas, um pouco menos timidas que os adultos, pediam aplausos… Eu nao me contive e gritei: ¡¡¡¡¡¡¡¡¡¡¡¡¡¡¡¡uhuuuuuuuuuuuuuu!!!!!!!!!!!!!!!!!
Outros deslizamentos haviam comprometido a estrada, mas nenhum como aquele. Seu Elber os atravessou sem muita dificuldade, e prosseguimos a viagem com quatro horas de atraso.
Por volta das 8h30, paramos para desayunar. Fui convidado por Seu Elber a comer cau-cau. Um senhor me trouxe um prato com arroz, batatas cozidas e uma carne branca picada que logo reconheci. Enquanto devorava a comida, recordei-me de que minha cara se contorcera como a Daiane Santos a fazer o salto duplo twist carpado quando comi pela primeira vez a, elegantemente denominada, dobradinha, ou seja, a famosa buchada. A pancita de vaca estava deliciosa e se tornou um dos meus pratos preferidos no Peru e no Equador (aquí se chama guatita).
Por volta das 10h30 cheguei em Santa Maria. Nao havia mais kombis que iam a Santa Tereza ou a hidroelétrica, mas arrumei uma “carona” (por 10 soles) com um funcionario desta última e cruzei o perigoso caminho de pedras, barrancos e desfiladeiros que me levaría a Machu Picchu numa Hilux com ar-condicionado.
Ao meio-dia comecei a caminhada pela linha férrea. Menos de trinta minutos depois, me deparei com dois homens e uma mulher. O rapaz mais jovem me perguntou: “Can you take a picture?”, respondi que sim e emendei, “Where are you from?”, ele disse, “Brazil”, finalizei, “Eu também!”.



Brasileiros que conheci na linha fèrrea que leva a Machu Picchu.



Depois de conhecer Elvira e os xarás Marcos, caminhamos juntos por mais duas horas e meia até Águas Calientes, cidade mais próxima das ruínas de Machu Picchu. Separamo-nos logo na entrada da cidade e fui procurar alguma hospedagem barata para ficar.
A cidade é bem pequeña e os únicos veiculos que possui sao os micro-onibus, os quais chegaram de trem, que levam os turistas até as ruínas. Ainda assim, rola muita grana em Águas Calientes por conta do turismo (depois da votacao virtual das Sete Maravilhas do Mundo, parece que milhares de gringos abonados limitaram seu escopo de opcoes turisticas).
Entrei no primeiro Hostal que vi, Hostal El Inka, e perguntei quanto estava a cama mais barata. Ao ouvir 30 soles, saquei meus Stickers da alegría e assim comecamos a conversar. Sai de la direto para a estacao de trem com uma cama, uma ducha fría, direito a tres refeicoes ao dia e um trabalho: “promotor” do hostel.
Meu servico era “ralar”, isto é, levar, turistas para o albergue. Assim, ficava na saída da estacao convencendo os gringos a se hospedarem no El Inka. Perguntaram-me se eu havia sido convidado a trabalhar lá tao rápidamente por conta de falar (o mais correto seria arranhar no…) japonés, español, ingles e portugués. Nao hesitei em responder que, muito provavelmente, foi porque falei em castellano uma frase: “viajé en camión sobre pollos congelados”.

Amigas do Hostel El Inka


E, apesar de Aguas Calientes nao ser o tipo de cidade que mais me atrai (muitos turistas, coisas caras…), fiquei lá por tres noites por conta de ter criado lacos com os locais. Assim que me instalei no hostel, sai para “ralar” e conheci uns hippies que me deram dicas para entrar nas ruínas sem pagar os 40 dólares (um absurdo!) da entrada. Há duas opcoes:
1 – Saltar um muro escondido durante a madrugada e esperar amanecer.
2 – Esperar a doacao do ticket de algum pagante que sai por volta das 11h e entrar dizendo que havia saido para ir ao banheiro.
Entrei num enorme conflito moral e resolvi subir o Putucusi, montanha da qual se pode ver as ruínas, antes de tomar qualquer decisao. A subida é dura e se dá por escadarias inclinadas a quase 90 graus. Depois de uma hora e meia, cansado e molhado de suor, cheguei ao topo e tive certa frustacao em meu frenesí ao ver um garoto de dez anos lá (“só podía ter chegado de helicóptero!”, pensei). Jack havia subido o Putucusi com seu pai, John. Sairam dos EUA há algúns meses e viajariam (pai, mae e tres filhos) por quase um ano pelo mundo – iriam para o Japao depois do Peru.


Escadas que levam ao topo do Putucusi.



Fiquei sozinho no cume depois que eles se foram e, observando Machu Picchu, comecei a pensar se deveria entrar. Descartei a opcao de pagar, nao simplesmente porque era caro, mas porque ja havia gasto 40 dolares na Bolivia (Evasión de Frontera, lembram-se?). Por um lado, lembrei-me da emocao que Pablo Neruda tivera ao ver aquelas ruinas de perto ("Me sentí infinitamente pequeño en el centro de aquel ombligo de piedra, ombligo de un mundo deshabitado, mundo orgulloso y eminente, al que de algún modo yo pertenecía. Sentí que yo mismo había trabajado allí en alguna etapa lejana cavando surcos, alisando peñascos. Me sentí chileno, peruano, americano. Había encontrado en aquellas alturas difíciles, entre aquellas ruinas gloriosas y dispersas, una profesión de fe para la continuación de mi canto.") e isto me instigou a escolher uma das duas opcoes ilegais. Por outro, me pus a questionar a legitimidade deste ato com sua legalidade e pensei nos movimentos sociais que pecavam por seus métodos.
Me fiz aquela pregunta básica de gringo no estrangeiro com medo, mas vontade, de meter a mao no bolso – quando voce terá a oportunidade de estar tao perto de novo?, e, aliviadoramente, a resposta ficou dentro dos dez anos…
Sempre disse que o valor da viagem estava menos no destino e mais no caminho e, observando Machu Picchu do local mais próximo que havia conseguido chegar, achei que já havia sido coroado com a melhor experiencia.



O maior perto que cheguei das ruìnas.



Voltei ao albergue, transmiti minha resolucao as minhas companheiras de trabalho que estavam loucas para me ajudar a entrar, e fui a estacao ralar hóspedes. Por sorte, estava errado quanto ao fato de já ter obtido a melhor experiencia daquela empreitada a Machu Picchu, e conheci a Senhora Dora.
Ela veio em minha direcao oferecendo, “Chocolate cake, two dolares”. Nesta hora, nao tinha os stickers da alegría, mas estava com o cartao de visitas do hostel, “Mira, Señora, yo también estoy trabajando. Estoy ralando.” E foi o suficiente para ela me cortar um pedaco de bolo e dizer, “Te invito”. Acabamos ficando muito amigos (depois perceberia que ela desejava algo mais…).
Ela me convidou para conhecer sua pequeña tenda (comedor) acima do mercado central. Em um espaco de dois metros quadrados envoltos por um balcao, Dona Dora cozinhava desayuno, almoco e janta. Assim como ela, outras tantas senhoras possuíam seu comedor. Como havia tempo até o próximo trem chegar, me prontifiquei a lavar as loucas e a ajuda-la a fazer o almoco, o que fez com que nos conhecessemos melhor.
No comeco, nao entendía porque aquela senhora, solteira, com seus trinta e poucos anos e tres filhas, estava tao interessada em saber a minha ficha (perguntou se eu havia estudado, bebía, fumava…), mas depois da alegría com que ela me apresentou a uma de suas colegas, entendí tudo.
Minha mae costumava me repreender quando eu a abracava no ponto de onibus, por exemplo, mas eu nunca percebia os olhos inquisidores como aqueles que naquela hora de cebolas, panelas e tomates, estavam sobre mim a se perguntar: “quem é este joven com a Dona Dora?”. Por todos os lados, sentía que as suas colegas de trabalho estavam a me olhar… e nao se tratava de atracao pelos meus olhos puxados…
Aguas Calientes me impressionou pelo número de maes solteiras. Assim, Dona Dora se desdobra vendendo agua para os gringos desde as 4 da matina, servindo café-da-manha, almoco e janta para os locais, vendendo bolo na saida da estacao e cuidando de tres filhas sozinha.
Sempre que tinha um horario libre tentava ajuda-la em seus afazeres, o que lhe deixava muito contente. O que para mim era um passatempo, para ela era um romance… Tentava nao me importar, por exemplo, quando andavamos pela rua, eu carregando as suas sacolas, e ela respondia, para aqueles que perguntavam sobre mim, que eu era seu namorado.
Gracas a senhora, compensei os días que nao fazia uma refeicao decente: almocava e jantava duas vezes, nao simplesmente porque sou incapaz de recusar comida de graca, mas porque Dona Dora ficava tao feliz quanto minha mae ao me ver comer a refeicao que acabara de cozinhar.
Domingo, sua mae, sua filha mais nova de cinco anos e ela iriam visitar Machu Picchu. Como eu já havia lhe dito que nao havia subido as ruinas por conta do preco do ingresso, sugeriu-me que eu entrasse com elas como seu marido… A pesar de ser a opcao mais absurda e auto-denunciadora que tinha, pensei que se talvez falassemos que eramos primos, poderia rolar. Foi entao que percebi, condenando minhas ideias, o quao a serio estava levando aquilo que tinha como principal conselho da viagem, “tente ser o mais “local” possível!”. Esta opcao era tao ilegal quanto as outras que ja havia descartado, e, ainda pior, arrastaria cúmplices… Enfim, agradeci e disse que nao podía aceitar.

Mae de D. Dora, Dora e Quiarita


No domingo pela manha, desayunei com as tres: bolo de banana, chicha (bebida fermentada) de banana, pao com marmelada… Durante a refeicao, Dona Dora olhou para sua filha, Quiarita, e lhe perguntou o que achava da ideia de eu ser seu pai. Quase engasguei com o pao que mastigava… e so pude olhar para a pequeña e sorrir. Antes de partir, a pesar de Quiara nao ter respondido a pregunta de sua mae, Dona Dora me disse que nos casariamos quando eu voltasse.
Fiz o caminho de volta pela linha férra (aliás, meu tornozelo agradece imensamente pela doacao da bota da Timberland que meu amigo Minoru fez) em uma hora e meia pensando nas eleicoes paulistanas que estavam acontecendo: Kassab e Marta no segundo turno, anunciava o Data Folha de primeiro de outubro. Fantástico (refiro-me a Kassab, lógico)!
De volta a Cusco, renunciei a um convite para ir bailar salsa com umas gringas, fiquei na Internet acompanhando a apuracao - que virada! – e fui dormir pensando no segundo turno.
No dia seguinte, viajaría em direcao a Lima com Martin, um hippie argentino que havia trancado o curso de medicina para viajar até Cuba (claro que viajaba com a biografia de Che). Ele, inclusive, havia sido pego pela seguranca de Machu Picchu (fizera uso da opcao numero 1, isto é, saltara o muro), mas conseguiu se safar pagando meia (20 dólares).
Pela primeira vez estava com alguém que sabia ser tao pao-duro quanto eu, a pesar de ele se entregar mais aos desejos do paladar. Assim, nao tivemos vergonha de dividir a mesma cama para economizar gastos. Naquela noite, entendería a importancia da linguagem corporal, pois se um de nos percebesse que ambos estavamos para o lado de dentro da cama, logo viravamos para o lado de fora, nunca ficando com os corpos a convergir.
Depois de vendermos algumas pulseiras para senhoras com mais de cinquenta anos de idade, Martin pegou o onibus em direcao a fronteira com o Equador, avido por chegar na Venezuela, na qual se pode fazer muito dinheiro com artesanato.
Fiquei em Lima e resolvi visitar a tia do Minoru, amigo da Seicho, embora nao tivesse avisado previamente (tambem me impressiono com a minha cara de pau!). A pesar de nao me conhecerem, Silvia, Max, Elora e Gaby foram muito acolhedores, lembrando-me da hospitalidade que recebi dos meus parentes no Brasil.
Levaram-me para passear pelo incrível Shopping Larcomar, construido em um barranco a beira do mar, e pelos bairros Miraflores, das baladas, e Barranco, dos bares. Fui convidado para comer o melhor anchicucho - coracao de vaca assado - de Lima, o do restaurante El Tio Mário, e também pude conhecer o arroz chaufa de uma tradicional Chifa - restaurante chines (Lima é a cidade latino-americano com a maior quantidade de restaurantes chineses).

Elora, Gaby e Silvia (familia do Minoru)


Na sexta, fui ate a estacao de onibus Fiori, clandestina, para pegar um onibus ate Tumbes, muito próximo da fronteira com o Equador. A pesar de ter ouvido tao mal da estacao, que de fato nao é nada bonita e reúne inúmeros drogados a noite (nao fiquei para conferir, fiquem tranquilos), viajei nos assentos panorámicos e fiz uma das melhores viagens de onibus de ate entao (18 horas de viagem por U$S12).
Chegando em Tumbes, nao gostei da cidade e decidi ir direto a Aguas Verdes, fronteira com o Equador, que tao pouco possuia a calma que procurava encontrar. A coisa toda é uma bangunca, e a pesar de gostar de mercados, fiquei incomodado com aquele monte de vendedores, camelos, comedoros (tenda na qual se servem refeicoes) na rua ao lado do mal-cheiro das sarjetas, trombadinhas, triciclos…
Ao menos encontrei um local barato para me hospedar: a casa de Alejandro, um garoto de 14 anos que conheci enquanto caminhava na rua. Após ser assediado por inúmeros taxistas e motoristas de triciclos, que me fizeram pensar que estavam usando a estratégia petista de persuadir pela mentira (diziam para eu nao seguir meu rumo a pe porque havia muitos ladroes), resolvi acreditar no que disseram quando Alejandro me parou para dizer a mesma coisa. Aproveitei a bondade do joven e brinquei perguntando se ele nao tinha um sofá para alugar em sua casa. Coincidentemente, disse que sua mae alugava quartos.
Na casa de Alejandro, as paredes eram feitas de tijolos e bambus e o teto era constituído por telhas de aluminio. A casa possuía muitos quartos e pude me alojar por apenas 5 soles (U$S1,50). Logo cedo era acordado pelos gritos de sua mae, que dizia para ele se apressar para ir trabalhar carregando as bagagens dos passageiros que chegavam ao terminal de onibus. Embora estivesse bem acolhido na espacosa casa peruana, fui verificar a hospitalidade de seu país vizinho, que, pelo que sei, tem botado brasileiro para correr... A ver…

Familia de Alejandro

1 comment:

Anonymous said...

"Wawa Pillqo Chamilku"