Tuesday, October 21, 2008

Refugiados políticos bolivianos y Evasor de fronteras brasileño ii

Rio Branco - Acre

Além de gastar muitos reais para atualizar o blog, aproveitei meu tempo em Rio Branco para obter informaçoes sobre a situaçao em Cobija/Bolívia, onde aconteceram os conflitos entre camponeses pró-Evo e os opositores pertencentes ao governo local.
Ao menos, graças ao Cuartel General da Policía Militar e a Sandrinha, funcionária da PM que me acolheu em sua casa, nao precisei me preocupar com hospedagem.
Embora eu nao tenha saído muito pela cidade, algunas coisas valem destacar (tô usando a idéia dos bullet points):

1 – A espessa fumaça das queimadas que cobria a cidade as vezes de manha a tarde;

2 – As grandes construçoes (Palácio de Governo, Ponte sobre o Rio Acre) contrastadas com o fato de nao haver água tratada em boa parte, se nao forem todas, das torneiras parecem ser uma tentativa de afirmacao de uma capital (talvez de um prefeito?) complexada.

3 – Tacacá: sem dúvida a coisa mais estranha que já comi. Feito com tucupi (tipo um caldo da mandioca), camarao, goma (tambem derivado da mandioca) e jambu (um mato que debe ter alguma propriedade anestesica). Parece anestesiar a boca, como se bochechassemos xilocaina… Sendo menos exagerado, como se bebessemos Coca-Cola depois de escovar os dentes.

4 – Angelim: a pesar de as pesquisas indicarem sua vitoria no primeiro turno, sua campanha infestava a cidade com bandeiras e o irritante barullo de apitos.

5 – Kibe de macaxeira: como um bolinho de carne com a massa feita de mandioca. Sensacional!

Brasiléia – Acre

Naturalmente, as pessoas rio-branquenses me aconselhavam a nao ir a Bolivia, ainda mais por Cobija, a pesar de terem se passado quase dez dias desde o conflito.
Tentei me calcar em fatos concretos e decidi ir a Brasiléia, fronteira com Cobija, pelos seguintes motivos:

- A Folha de SP dos dias 18 e 19 de setembro diziam que os dialógos entre governo federal e oposicao estavam caminhando positivamente;
- A namorada de um soldado da PM, Felipe, tinha ido a Cobija visitar um parente e informara que estava tudo voltando ao normal;
- O noticiário local de Rio Branco mostrava as ruas de Cobija movimentadas e as lojas abertas:
- Sabrina, uma señora vendedora de muambas, havia acabado de chegar de lá e garantiu que as coisas estavam seguras;
- Nao queria mudar meu programa, que previa Bolivia como proximo destino.

Cheguei em Brasileia por volta das 15h30 de sábado. Caminhando um pouco, vi um grupo de bolivianos conversando na porta de um hotel que estaba cheio de refugiados políticos. Falavam sobre o novo prefeito interino de Pando, um militar nomeado por Evo, e nao me deram muita bola.
Enquanto caminhava a procura dos abrigos para refugiados mantidos pelo governo federal brasileiro, um helicóptero de nosso Exercito sobrevoava a regiao. Tentei nao sair perguntando a todo mundo em quais lugares estavam concentrados os refugiados, mas por sorte perguntei a um senhor quando estaba exatamente a frente de um. Tratava-se de uma igreja evangelica que mantinha 23 pessoas, sendo tres delas crianças. Praticamente todos trabalhavam no governo de Pando.
Conversei com o pastor da igreja e este me autorizou a passar a noite lá. Os refugiados me ofereceram comida, agua, cobertores para preparar meu colchao (todos dormiam no chao, nao havia camas), e logo começaram a me explicar o que havia acontecido, ou melhor, a justificar sua inocencia. Como ja dizia o velho samba, a razao esta sempre com dois lados, e nao quis me aprofundar nestas explicacoes de quem comecou a atirar, ou de quem armou emboscada para quem (a pesar de ter conviccao de que tenha sido o lado oposicionista).
Logo de cara, me surpreendi com os celulares que nao paravam. Sempre havia alguem a receber ou a fazer ligacao. Alem disto, a noite seria tranquila, com direito a culto, refrigerante e bolo na igreja se nao fosse por uma caminhonete vermelha que deixou as mulheres apavoradas e os homens alertas pelas ruas. A policía brasileira deteve o motorista, boliviano, que estaba com uma lista contendo nomes de refugiados e uma camera fotográfica.
A crianca mais nova que estaba conozco tinha tres anos de idade e era filha de um político de Cobija. Muito provavelmente nao corria riscos em sua cidade natal, mas nao quería ficar longe do pai com medo de perde-lo. Sua mae me disse que ela falava, ciente da situacao, “Nao quero que meu pai morra.”
A madrugada passou tranquila, embora tevê e luz se mantivessem acesas e houvesse uma vigilia constante de ao menos um homem que se mantinha sempre acordado.
No domingo, fui pessoalmente verificar a situacao em Cobija. A fronteira estaba aberta, mas o Exercito brasileiro registrava o nome e o numero do documento de identidade de todos que entravam no país. Do lado boliviano, nao solicitavam nada. Nas ruas havia grande movimiento de carros e motos, e os militares estavam por toda a parte. A pesar de as coisas parecerem ter voltado ao normal, as companhias aéreas ainda nao estavam operando.
Como nao havia onibus para La Paz naquele dia, passei mais uma noite na igreja e pude acompanhar a visita que uma familia – esposa e quatro filhos - fez a um refugiado político. Foi doloroso ver um pai boliviano olhar seus filhos voltando para casa pela ponte que separa os dois paises.
Nesta noite, embora o Exercito nao tenha cumprido sua promessa de transferir todos para um outro abrigo por conta do incidente da caminhonete, uma equipe medica atendeu os bolivianos e outra pessoa, boliviana, trouxe agasalhos para todos os refugiados. Alem disso, as refeicoes sempre eran bem fartas, sobrando comida para mim. Antes de dormir, vimos pela tevé a marcha de trabalhadores rurais pró-Evo que se deslocavam de Cochabamba até Santa Cruz.

Na segunda-feira, deixei o refugio bem cedo para pegar o onibus que sairia as 8h de Cobija. Seriam aproximadamente 48 horas de viagem num onibus off road (definitivamente, nao e como aqueles onibus da Andorinha. Tem o chassi mais elevado e apenas um par de rodas traseiros ao inves de dois) que parecía uma enorme axila marrom, por conta do cheiro e da sujeira de terra, muita terra.





Por volta das 10h passamos por Porvenir, onde aconteceram os conflitos que resultaram na morte de dezenas de campesinos. No camino havia os restos de dois caminhoes incendiados, alem de outro com buracos de tiro em seu vidro dianteiro.
A viagem se deu, 97.5% do tempo, em estradas de terra, e apesar dos pulos por conta dos buracos e dos frios na barriga que lembravam uma montanha-russa velha, o meu esforço para ler nao se comparava a aventura de Greg Mortenson na Cordilheira do Karakoram para construir escolas no Norte do Paquistao (A terceira xicara cha, Ediouro).
Recortando uma densa floresta tropical que as vezes assumia a feicao de pasto recem-formado, atravessamos tres ríos: dois com balsas puxadas por barcos e uma, com poucos metros de largura, puxada por homens (vejam a foto para entender).
Preferi economizar dinheiro e, ao inves de comprar agua mineral, comprei agua de procedencia duvidosa que me deu, as 4 horas da matina, a maior prova do “Se vira nos 30” que meu esfincter ja teve. Como nao havia banheiro no onibus, dei sorte de ele parar exatamente na hora em que minhas vísceras comecaram a agonizar. Peguei minha lanterna e passei, cuidadosamente, por cima das criancas que dormiam no corredor do onibus. Se nao bastasse, o motorista nao me esperou voltar. Vi o onibus partindo e corri, ainda sem fechar a calca, pensando: “Literalmente, que merda!”.
Gracas as pilulas – nao sei o que sao – que ganhei no CONPLEI, as quais fazem voce passar da maior diarreia para a mais dura prisao de ventre (uma pilula igual a um boi), pude aguentar as 20h restantes da viagem.

Em Yucuno, apos gastar mais um peso boliviano para me certificar de que o “boi” ainda estava na barriga (“agua barata, banheiro caro”), fui convidado para almoçar por dois senhores de Porvenir e um joven de Cobija. Um destes senhores havia estado do lado dos campesinos durante o conflito e fugiu para nao ser ferido, segundo ele. Foi estranho estar ao lado de pessoas tao gentis (se me convidam para comer, sao os mais nobres do mundo) que haviam se enfrentado em lados opostos sem imaginar as atrocidades que ocorreram naquela infeliz manha de 11 de setembro (imaginar estas coisas a mesa é um pecado).
Depois do almoco comecamos a viagem pelas montanhas dos Yungas. Foram horas e horas subindo e descendo cerros por uma pessima estrada de terra que as vezes se estreitava a ponto de ficarmos a beira de um precipio de algumas dezenas de metros. A noite, como a altitude passou a se elevar, a temperatura deve ter caído abaixo dos 10ºC.





Comecando a subir a Montanha dos Yungas




Ja do lado de dentro do onibus, exceto o frio, as coisas nao mudaram muito: cheiro forte de sobaco (mas acho que ja estaba assimilando) e, de tempos em tempos, de cocô do meu companheiro de viagem de um ano, Dominique, que se sentava no banco atrás do meu; pessoas entediadas tentando dormir e pulando de suas poltronas por conta dos buracos…









Dominique, o "Chino", quebrava a monotonia do meu olfato




Em Caranavi, Guillermo, o rapaz que trabalhava em Cobija e me convidara para almoçar, alcançou o patamar mais elevado de nobreza comigo ao me convidar para tomar cerveja. Em um bar de 5 x 8, com luz negra e algumas daquelas toalhas com imagens de mulheres semi-nuas que se encontram no Brás, o boteco tinha mais ar de puteiro, a pesar de haver uma única mulher, a qual nos atendía, e duas meninas com menos de dez anos de idade.

Por volta das 6h da manha, apos as diversas tentativas de me aquecer com meu saco de dormir, chegamos em Villa Fatima, um bairro de La Paz. Como Guillermo viajaría ate Potosi somente a noite, passamos o dia juntos.

Alguma coisa me atrai aos grandes mercados ou centros comerciais, e é verdade que realmente eu aprecio observar a sua loucura característica e, muitas vezes, acabo ficando em hoteizinhos baratos da regiao. Nao foi diferente em La Paz.
Logo apos sair do terminal de onibus, Guillermo e eu fomos parar na 25 de Março pacenha com suas vans japonesas a correrem em busca de passageiros, senhoras a venderem todo tipo de coisa imaginavel (feto de lhama a papel higienico) no meio da rua, carregadores a transportar dezenas de quilos nas costas… Tudo isto me fez pensar que deveria haver algum lugar que fizesse meu tipo.
Assim, durante a procura, descobri que ha pelo menos tres tipos de quarto:

1 – Alojamiento acima de um bar ou sauna: seria o nosso motel, mas bem mais funcional, porque só te oferecem a cama (nem ducha tem). Varia de 15 a 20 bolivianos (R$4 a R$6).

2 – Alojamiento para vendedores: tem diversos tipos de quarto, mas o mais barato é coletivo. 15 bolivianos (+/-R$4.50)

3 – Hostal, Hotel, Residencial: tem instalaçoes melhores. Variam de 40Bs a 50Bs (R$11 a R$14).

Fiquei no Alojamiento Buenos Aires, tipo 2, que tem banheiros coletivos, ducha fría e quarto para tres pessoas. Além de asegurar a ausencia de ruidos (gemidos…) noturnos, coisa que o do tipo 1 nao poderia oferecer.


25 de Marco Paceña, rua do meu alojamiento


Se dizer que uma coisa sò se ve na teve é sinal de algo espantoso, as vezes ruim, dizer que so se havia visto tal coisa no Chaves é pior ainda. Tive esta constataçao ao ver as tendinhas de suco nas ruas bolivianas. É necessário ter muito cuidado ao escolher o balde, porque voce pode tomar o suco de tamarindo, com cara de laranja e gosto de limao… Fora o risco de ingerir a agua para lavar os copos.

Tambem foi na Bolivia que obtive a resposta para a pregunta que me fazia no Japao ao ver toda aquela preocupacao com TQM (Total Quality Management). Perguntava a mim mesmo o que faziam com todo aquele refugo. Vi a resposta rodando nas ruas bolivianas. A quantidade de Suzukis, Daihatsus, Nissans, Mitsubishis de segunda mao que circulam nas calles so nao te fazem pensar que se esta na terra do sol nascente por conta da peca que esta entre o volante e o banco.

Também parece existir uma outra tecnología boliviana adicionada ao veículo japonés que aciona a buzina ao menor toque do freio. Assim, se o farol fecha, a buzina toca; se o pedestre atravessa na faixa, bibi; se a kombi ou taxista acha que voce é um potencial cliente, fom-fom…

Em algumas zonas mais afastadas do centro, a que eu estava, por exemplo, os faróis foram desligados e substituídos por guardas de transito. Parece-me que os motoristas sao daltónicos… ou preferem sentir a emocao de atravessar a toda velocidade o cruzamento. Mas, justica seja feita, talvez o transito de La Paz seja tao caótico porque ha muitos veiculos de transporte de passageiros (taxis, kombis, onibus). Assim, considerando que, como em qualquer outra grande capital latino-amercina, os “profissionais do transito” sao os que dirigem pior, me resignei e só pude pensar: “Que venham os riquixás indianos, as lambretinhas vietnamitas! Eu estou pronto!”.

Durante o dia que passei com Guillermo, fiquei impressionado com sua vaidade. Comprou uma camisa de manga comprida e se recusava a continuar a usar uma calça suja (na opiniao dele, nao na minha), adquirindo uma nova. Ele fez uma cara de espanto quanto soube que eu usava a mesma calça encardida ha mais de 120 dias, mas nao mudou de idéia.

Antes de viajar, fez questao de se banhar, colocar as roupas novas e engraxar os sapatos. Apenas no final do dia ele me confessou que ia a Potosi visitar sua mae enferma, e a minha ideia de vaidade se esvaneceu. Por ser um rapaz que saira de casa para morar a milhares de quilómetros de distancia, era mais que natural que desejasse estar apresentavel a quem mais lhe desejava sucesso.

Guillermo

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