Saturday, November 29, 2008

O bicho-papao de Correa


Mais um item para ser encaixado no "10 tips to stay on budget" do Lonely Planet...

"Tire foto das fotos", por Jose

(Como quase sempre comeco um post a cada novo pais, acabo sempre falando sobre fronteiras... Espero que se acostumem com minha falta de criatividade). Andei oito quilometros ate chegar no Departamento de Imigracao do Equador, peguei minha estampa e fui comer uma guatita (buchada). Eram 9h da manha.
De la,fui ate Guayaquil, maior cidade do Equador de onde saem avioes e veleiros para as Ilhas Galapagos. Tentei ganhar alguns dolares vendendo o que me restavam de stickers e pulseirinhas, mas somente andei a toa.

A cidade era muito movimentada e preferi ir a Alausi, localizada nos andes equatorianos. Assim, peguei o onibus da uma da manha e cheguei as 8h30 na pequena cidade de onde partem trens para La Nariz del Diablo, uma montanha que, como o proprio nome diz, se parece com um nariz de diabo - ao menos e o que os equatorianos dizem que veem.

A provinciana Alausi me encantou. A temperatura nao era excessivamente fria e as tradicoes e costumes estavam mais enraizados e eram perceptiveis no colorido das roupas e na elegancia dos chapeus.
A amabilidade das pessoas possibilitava o desenvolvimento dos negocios, e pude vender minhas tranqueiras. QUando nao as vendia, trocava por refeicoes. Foi assim que conheci Sr. Jose, Sergio e Marilyn. Compraram-me tanto que fiquei com credito para duas refeicoes.

Numa das manhas que estive na cidade, fui conferir a tal "La Nariz" bla bla bla... Como se trata de uma montanha, resolvi descer a pe e voltar de trem. Gracas as dicas de um senhor campones, peguei atalhos que encurtaram os onze quilometros de distancia ate a base da montanha. E, gracas a minha incosequente ansiedade, peguei outros caminhos que me renderam arranhoes e rasgos nas roupas. Quando ja estava quase chegando na base, achei que poderia cortar caminho descendo por um barranco de pedras. Sem duvida cheguei mais rapido do que se caminhasse pelos zigue-zagues da linha de trem, mas acabei descendo o morro de bunda e, para completar, passei por galhos secos cheios de espinhos.

No final, nao tive a visao daquelas enlevadas paisagens que recompensam o mais arduo esforco. Nem se voltasse aos meus seis anos de idade, quando era capaz de ver o rosto da XUXA numa nuvem do ceu, conseguiria abstrair daquela montanha um maldito nariz dos diabos... Enfim, se o destino era uma simples tacada mercadologica para atrair turistas, como sempre, o trajeto valeu a pena.

De Alausi fui para Quito. Mal cheguei na rodoviaria e ja liguei para Jose, o qual conheci no barco indo de Belem para Santarem. Ele acabara de regressar, estavamos na quinta e ele chegara no domingo, de sua viagem por seis meses pela America do Sul com uma japonesa e um canadense num Lada.

Peguei um trolebus para ir a casa de Jose e encantei-me com a qualidade de suas intalacoes, as quais me lembraram muito as dos trolebus de Hiroshima, Japao.

Desci na moderna estacao Villa Flora, para de la pegar um onibus ate a residencia de Jose, quando vi uma manifestacao de estudantes do segundo grau. Um bando de moleques ainda com o uniforme da escola enfretavam alguns policiais tacando paus e pedras. A policia nao conseguia deter os meninos, que se deslocavam em minha direcao. Uma pedra passou bem perto da cabeca de uma velha que atravessava a rua e alguns lojistas fecharam suas portas com receio de terem seus comercios depredados. Por sorte, um reforco militar chegou e conteve a marcha dos revoltados por meio de bombas de efeito moral.


Ao ver aquela cena a alguns metros de distancia de onde eu estava, recordei-me dos meus tempos de colegial. Logo no primeiro ano de Federal (CEFET-SP) os alunos foram convocados a aderirem altruisticamente a greve dos professores.

Recordo-me do auditorio lotado de colegiais reunidos para decidirem em assembleia a posicao dos alunos. Naquele tempo, e ainda deve ser assim hoje, capitalista ou socialista era uma alcunha tao importante quanto catolico ou judeu, corintiano ou palmeirense.

Dado que a CEFET era, e deve continuar sendo, um antro esquerdista, isso significava que deveriamos, nos alunos, abdicarmos de nosso bem-estar em favor dos desfavorecidos, os professores. Assim, com ampla margem de votos, o "sim, sou politicamente correto e apoio a greve dos professores" ganhou.

A primeira manifestacao anunciando o movimento grevista se deu na Avenida Paulista. Nao me recordo do porque de nao ter ido, e nao nego que pode ser sido por preguica, mas me lembro bem do meu espanto ao ligar a televisao quando em cheguei em casa da escola e ver as imagens ao vivo da baderna que a manifestacao havia se tornado.

No final, nao me recordo se os professores tiveram exito em suas reivindicacoes. O resultado, para mim, daqueles dias sem aulas foram: acrescimo de cinco minutos aos 45 que compoem uma aula, aulas ate o Natal e a partir da segunda semana do ano novo, dificuldades para digerir os conteudos que eram gorfados pelos professores.

No ano seguinte, o corpo docente tentou organizar uma outra greve. Mais experientes e egoistas, nao a acolhemos. Afinal, qual e o problema de um(a) garoto(a) de 15 anos querer ter aula?

Antes de terminar esta divagacao, so quero expressar o meu desgosto ao acessar a internet no dia seguinte e ler sobre a manifestacao da Policia Civil em frente ao Palacio dos Bandeirantes. Se estudante, mesmo com a desculpa da inexperimentada autocritica, fazendo baderna ja e um despauterio, imaginem um poder armado. Assim como "saudade de jabutica", greve armada de policia civil so pode ser falado em portugues brasileiro.

Ja na casa de Jose, fiquei muito feliz com a minha primeira recepcao numa casa equatoriana. Acho que posso dizer que Rafael Correa e uma excecao em termos de hospitalidade. Fui tratado super bem e de la escrevi os ultimos posts.

Alem da preocupacao da familia em me apresentar a cada refeicao um prato da culinaria do Equador diferente - comi fritada, humitas, quimbolita, papaco, hornado de cordero -, tive a satisfacao de participar de um encontro familiar.

Quando o pai de Jose, Sr. Guillermo, me disse que iriamos para um "encontro familiar" na noite de sabado, logo imaginei que se tratava de uma daquelas ocasioes em que se toma cha ao redor de uma mesinha com um monte de velhinhos cansados.

No caminho, descobri qeu se tratava de uma festa familiar em comemoracao a formatura de uma jovem. Sr. Guillermo havia brincado que precisaria comprar um terno, nao dei muita bola ate ver a elegancia com que a mae e a irma de Jose se vestiam. Comecei a me preocupar e me desesperei de vez quando fomos recebidos pelo anfitriao, namorado da formanda, de camisa para dentro da calca e sapato.

Tentava me confortar com o pensamento de que mesmo com minha blusa semi-rasgada, minha calca cheia de poeira da La Nariz del Diablo e minha batida bota de trekking, havia me esforcado para estar bem vestido para a ocasiao, dado que havia colocado minhas melhores roupas (as unicas que tenho, para quem nao sabe). Por fim, percebi que estava no nivel. Entre a formanda com um belo vestido, as senhoras maqueadas de esplendorosa elegancia e os senhores de sapato, eu estava no nivel das criancas.

Fomos os primeiros a chegar e ficamos conversando com o namorado da formanda numa ampla sala de visitas com teve de tela plana e equipamento de audio e video. O dono da casa chegou e deu, pensei eu, o ritmo da festa: colocou um cd do ABBA. Imaginei eu: "Entao vai ser desse jeito tao revival...", logo me desanimando.

Quando o repertorio constituido por Mamma mia,Dancing queen, terminou, colocaram um DVD de musica tradicional equatoriana da banda Kjarkas. Achei interessante, mas depois de meia-hora ouvindo comecei a ficar entediado. Foi bem nessa hora que botaram uma salsa brava e os casais, de todas as idades, comecaram a despontar no meio da sala. Havia sido inaugurado o baile.

Dancamos merengue e salsa ate o jantar, servido a meia-noite. Depois da refeicao, todos se reuniram para cantar cancoes como Comandante Che, Simo Bolivar Simon, Companera, Abacate... Foi precioso ver todos cantando emocionadamente, jovens de catorze, quinze anos, a senhoras e senhores que ja passaram dos sessenta.

Por fim, a noite terminou com dancas folcloricas - san juanitos. Disseram-me que e o mesmo tipo de musica que toca nas comemoracoes do mes de Dezembro relacionadas a fundacao de QUito, so faltava o bebado largado no chao para ficar igualzinho as festas nas ruas.

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Quito pode ser divido em duas partes: a antiga, com seus predios historicos, museus e instalacoes governamentais; e a nova, com construcoes recentes, universidades e bares que concentram a vida noturna da cidade.

Estava caminhando na Praca Maior da Quito antiga e percebi um pequeno grupo de pessoas discutindo politica. Reparei num cartaz que trazia algumas definicoes sociologicas bem profundas ("Burguesia: pessoa com condicao financeira elevada que nao tem solidariedade com os mais humildes", alem da frase, "Agora nao se sabe o que e mais imoral: roubar um banco ou fundar um") e resolvi ouvir um pouco a conversa.

Um senhor falava a respeito das mudancas que Rafael Correa queria fazer em relacao aos lucros da industria petroleira no pais e a correspondente inversao social destes ganhos. Peguei a coisa no fim, mas o mais interessante estava por vir...

Uma mulher tomou a palavra e comecou, "Sou uma comunicadora social. Para quem nao sabe, e como se fosse uma jornalista, mas que nao reproduz aquilo que eles querem [eles quem?]..." E continua, "Nao devemos fazer aquilo que eles desejam [de novo]! Por exemplo, que televisao voce tem [pergunta a um senhor]? Por que nao nos contentamos em ter uma televisao simples, ao inves de desejar uma televisao de tela plana? E isso que essas grandes corporacoes querem: que lhes entreguemos nosso dinheiro para nos dominarem ainda mais...". Ela continuo, mas eu fui embora.

Sem duvida toda essa paranoia conspiratoria ecoou e encontrou respaldo no governo de Correa. Pude ver alguns materiais da campanha publicitaria em prol da aprovacaoda nova constituicao e, ao terminar de os ler, conclui que deveria botar a culpa das infelicidades equatorianas no bicho-papao ou no lobo-mau.


Toda a argumentacao se baseia na luta contra os inimigos do povo: os politicos corruptos, neoliberais, burgueses, opositores do governo (os neoliberais brasileiros que emprestam 243 mi ao pais tambem poderiam ser incluidos)...

O presidente e o maior paladino deste projeto "revolucionario", sendo guardiao da nova constituicao. Quem nao esta com ele esta contra ele, isto e, contra o pais, sendo, desta forma, um ser abjeto e repugnante, preocupado apenas com seus proprios interesses.
Foi com esta logica que quase 64% dos eleitores deram a Rafael o poder de fechar o Congresso (contra os politicos corruptos ou inimigos da oposicao) e de interferir drasticamente na economia (contra os neoliberais e burgueses).



Mas chega de politica e conto de fadas. Depois de Quito, passei a me deslocar rumo a Colombia. A mae de Jose preparou uma fritada (carne de porco, couro de porco, bananas e batatas fritas) especialmente para mim e preferi, obviamente, comecar a viagem apos as 15h.

Satisfazendo meu desejo consumista

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