Saturday, November 29, 2008

Colombia: o risco 'e que queira pegar um veleiro


O DAGV ja apresentou tridimensionalmente, espacialmente, por que nao rechonchudamente?

Cheguei na fronteira Tulcan(CO)-Ipiales(VE) as 21h30 - o horario mais tarde em que cruzei para um outro pais -, e se tratava da mais tranquila pela qual ja havia passado. As 21h45 cheguei na rodoviaria de Ipiales acreditando que conseguiria pegar o ultimo onibus as 22h. Por azar, os segurancas me avisaram que justo naquela noite a viagem fora cancelada por falta de passageiros. Como a rodoviaria nao era ruim - tem tres segurancas e bons bancos, alem de ser bem iluminada -, decidi quebrar meu tabu de mais de 40 dias e passar a noite la.

No dia seguinte, de microbus, fui ate Cali (a capital da salsa) e peguei outro onibus para chegar em Bogota - no total, foram 26 horas de viagem. Caminhei ate o centro da cidade e passei a procurar um quartinho barato. A estrategia de sair perguntanto para vendedores de rua funcionou e encontrei um quarto com hotel bem proximo ao Palacio Narino (Palacio de Governo).
Sem banho privado a hospedagem custava 5000 pesos colombianos (como 2 dolares e pouquinho); com, 8000 (aprox. 3.5 dolares). Como o status de minha barriga ainda estava indefinido, optei por ter um banheiro a minha disposicao 24 horas por toda a noite.

Depois que fui sacaneado numa lanchonete em Viedma (ARG) em que pedi um cha para poder assistir a um jogo de futebol da selecao brasileira contra a argentina (tive de pagar dois chas porque pedi mais agua quente e acucar e, apesar de o jogo ter terminado empatado, me senti humilhado pelos nossos rivais vizinhos), sempre tomo o cuidado de saber todos os detalhes antes de celebrar um negocio.

Foi isso que fiz antes de me hospedar no hotel. A funcionaria me explicou que eu poderia ficar la por doze horas pagando os referidos 8000. Se eu passasse o dia inteiro sem sair do hotel, deveria pagar o dobro. Ela tambem me disse que as minhas coisas ficariam intactas no quarto no periodo que estivesse ausente, dado que a questionei a respeito da possibilidade de perder a vaga no hotel durante o periodo que estivesse fora.

Na sexta a noite, passeei pela carrera setima, uma das principais da cidade, que estava fechada para atracoes artisticas. No comeco, quando vi dois palcos montados, achei que estava numa versao diminuida da Virada Cultural, so que sem tanta cerveja e nenhuma maconha. Logo depois, ao caminhar mais um pouco, percebi que aquilo estava mais para um show de talentos, ou espaco aberto para fazer o que desse na telha. Assim, encontrei gente ganhando trocados com violao, bola, e ate boneca de silicone em tamanho real. Tambem havia espaco para protestos: um grupo de universitarios passavam videos e distribuiam folhetos a respeito dos indios e cortadores de cana de Cauca, outros se manifestavam contra a violencia gerada pelo narcotrafico, e havia espaco ate para defensores dos animais.


Protestos na carrera setima


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Sei que ja falei em tara etnica em inumeras ocasioes, mas prometo que sera uma das ultimas vezes. Na Colombia, como sempre, ela estava agucada, mas desta vez nao se tratava da tara etnica das mulheres, mas sim da minha. Vi uma quantidade razoavel de colombianas lindas e ate pensei estar na industria das miss-universos - confundindo Venezuela com Colombia.

Um pouco da sensualidade colombiana, por Fernando Botero

Alem das mulheres, o pais e muito agradavel para se viajar e esta muito mais seguro do que no passado (gracas a forte politica de combate ao narcotrafico e ao terrorismo). Bogota, depois de Brasilia e Buenos Aires, e a capital nacional de que mais gostei. Nao e a toa que o governo usa o seguinte slogan turistico: "Colombia: el riesgo es que te quieras quedar!"

A unica coisa chateante era ser abordado por militares a todo o momento. Nao podia sequer me sentar sozinho numa praca que alguem vinha solicitar meu passaporte. Disseram-me que a razao disto acontecer tantas vezes e que ha muitos chineses ilegais que tentam chegar ate os Estados Unidos subindo pela America Central.
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No sabado me encontrei com Jenny, a coreana que conheci no Congresso Evangelico Indigena. Ela esta morando em Bogota e estudando espanhol na Universidade Nacional (alguns colombianos a chamam de "industria de bombas", por conta das "manifestacoes" dos seus estudantes armados com coqueteis molotov).

A tarde fomos a uma festa na Industria Molotov. Um enorme palco havia sido montado e milhares de jovens curtiam um reggae com letras "progressistas" que falavam de revolucao e legalizacao da maconha.

Universidade Nacional da Colombia

A noite, apos uma ardua conversa em relacao ao problema moral de uma mulher evangelica dividir o mesmo quarto com um homem, Jenny finalmente aceitou meu convite (sem nenhuma intencao secundaria) de dormir comigo no hotel para que pudessemos sair bem cedo no dia seguinte e subir o cerro Montserrat.

Chegamos no hotel por volta das 22h e o recepcionista me informou que nao havia mais quarto livre. Nao entendi direito o que ele quis dizer, dado que ja estava hospedado numa habitacao e todas as minhas coisas estavam la.
Finalmente, compreendi que, como eu nao havia chegado ate as 20h, ele havia retirado todas as minhas coisas do quarto e o alugado a outra pessoa. Fui retirar meus pertences do quartinho onde ele havia os guardado e comecei a organiza-los no chao da recepcao, vociferando contra a politica do hotel.
No fundo, estava corado de vergonha e nao conseguia parar de me desculpar a Jenny. Nao tinha ideia do que fazer, pois com uma moca nao poderia apelar para o tao aplicado plano B no que se refere a hospedagem, isto e, nao poderia simplesmente ir a rodoviaria.

O engracado foi que Jenny, conhecendo um pouco de minhas estorias de viagem, sugeriu exatamente isto: "Vamos a rodoviaria!". Respondi que nao poderia permitir que ela se arriscasse desta maneira, e a resposta que ela me deu poderia me fazer pedi-la em casamento se nao fosse pelo mero detalhe de nao ama-la: "Por que nao? Eu nao sou uma princesa!".

Passamos por um albergue da juventude, mas ele estava cheio. As 23h, achei mais seguro irmos a rodoviaria do que andarmos a procura de hotel. No caminho, tentei nao me preocupar e entrar no clima de crianca no safari da moca, que estava crispada de emocao pela aventura.
A rodoviaria de Bogota possui uma boa estrutura e seguranca, o que retirou qualquer preocupacao que ainda restava em mim. Mal sabia eu que o perigo nao era exterior.

Conversavamos sobre casamento e homossexualidade ate que, nao sei por qual motivo, disse que nao era evangelico. Jenny, que partira de um silogismo (estamos num congresso em que todos sao evangelicos. Ele esta no congresso, logo ele e evangelico) meses atras para concluir erroneamente o contrario, recebeu a verdade de maneira lancinante: ficou branca, seus olhos marejaram, sua voz se encheu de tristeza.

Nao sei como ela nao havia percebido atraves de minhas opinioes que eu nao era cristao. Mas o fato e que havia todo um encanto sob a egide desta equivocada deducao. E isto a inebriava como um doce licor.

Tentei melhorar as coisas falando sobre a Seicho-No-Ie, minha religiao, o sincretismo religioso e a presenca de Deus em todas as coisas, mas eu so aumentava sua angustia. Desisti e resolvi dormir um pouco. E, na verdade, o pesadelo so estava comecando.
As 3h da matina Jenny me chamou e disse que ia ao banheiro. Em seguida, ela simplesmente apagou e caiu em meus bracos. Suas maos se contrairam e eu achei que se tratava de um ataque epileptico. Comecei a gritar por ajuda ate que um seguranca chamou a enfermaria pelo radio.

Nao sei quantos segundos se passaram ate que ela despertasse, mas acabamos passando as proximas tres horas na enfermaria da rodoviaria. O enfermeiro, curiosamente homossexual, me disse que se tratava de uma queda de pressao... Dali em diante, se tornou ponto pacifico nao falar mais em religiao.

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De Bogota peguei um onibus ate Medellin. Cheguei pela manha e procurei, como sempre, um hotelzinho barato. Depois de andar muito e entrar numa pandega, quero dizer, num hotel com um monte de homens bebados e prostitutas as 9 da manha de uma terca, achei que valeria a pena pagar um pouco mais caro para ficar num albergue do Lonely Planet com cafe-da-manha e internet (tinha de planejar a viagem com meus pais pela Venezuela e queria acompanhar os ultimos dias da campanha para presidente dos EU).

A atendente do albuergue disse que terca era um bom dia para curtir salsa no El Eslabon Prendido. Como nao ia para uma "balada" desde os rodeios de Mirandopolis, cidade onde fica Yuba, decidi que merecia este luxo. Procurei companhia, mas ninguem se prontificou a ir, exceto por um esloveno que se interessou quando eu ja estava na porta da recepcao.

Bogota tem sua Vila Olimpia (Zona Rosada) e sua Vila Madalena (centro). Dado que uma estudante de antropologia me indicou o lugar, fui naturalmente parar neste ultimo recanto da cidade.

A sensacao que tive foi a de estar no O do Borogodo as quartas-feiras: som ao vivo de otima qualidade, ambiente super simples e casa consideravelmente cheia. Faltou somente a companhia dos queridos amigos e os lirios do campo que parecem desabrochar quando sambam com aquelas belas saias compridas e coloridas...

Para melhorar, Billy, um senhor com seus sessenta e poucos anos e cantor de blues, veio me fazer companhia. Nao quero dar uma de Berlusconi comentando sobre o bronzeado do futuro presidente dos EU, mas e incrivel como o sorriso de um senhor negro inserido em toda a elegancia de suas roupas e o molejo de seus gestos lhe conferem o carater de anfitriao. Este seu carisma lembrou Don Padeiro, meu mestre do samba.

Billy se prontificou a me ensinar a dancar salsa - pois e, apesar do curso basico na Cia Terra, vi que so sou bom mesmo em dancar musica eletronica - e me dizia: "Tem que dancar como um negro! Como um negro!" E se regozijava: "Isso, isso! E um negro!".

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Antes de partir para Cartagena fui conferir o famoso Metrocable, sistema de telefericos instalado em zonas montanhosas e pobres da cidade. Paguei 0.75 centavos de dolar e iniciei meu passeio pelo transporte publico de Medellin que duraria tres horas e meia por conta de minha admiracao.
Ha duas linhas de metrocable: a J, terminada em marco; e a K, em funcionamento ja ha alguns anos. Fui ver a linha J primeiro, e a ordem das observacoes foi muito importante para a progressao geometrica de meus sentimentos.

A linha J tem 119 cabines e uma extensao de 2.7 km. Em cada cabine podem viajar oito pessoas sentadas e duas de pe. Sempre ha um glamour em se chegar pelos ares, mas subir um morro que esta mais para Rocinha do que para Pao de Acucar desta maneira me pareceu mais utopico do que glamouroso.
Na subida vi muitos conglomerados de barracos feitos de tijolos, outros de madeira, muito mato, barranco, entulho e sujeira. Ainda assim, era possivel perceber a incipiente mudanca. Alem do setor publico, havia construcoes em andamento de muitos investidores privados atraidos pelo feito governamental e, inevitavelmente, aquelas pessoas estavam fadadas a melhora de suas condicoes de vida.

Na descida, conheci Franci, que estava com sua filha de onze meses e sua irma de dez anos. Ela estava indo ao centro da cidade comprar coisas para a festinha de um ano de Samanta. Disse-me que antes, de onibus, ela demorava cerca de 45 minutos. Agora, menos de 30, e tendo a comodidade de poder levar sua filha no carrinho.



Franci, Salome e Samanta no Metrocable

Fui para a linha K (85 cabines atendendo cerca de 3000 pessoas por hora) extasiado e, apesar do costume de encarar tudo no superlativo, posso dizer sem hesitacao que o que vi foi uma das coisas mais alegres de minha vida. Ao contrario da cultura brasileira de ode ao pobrismo que promove tours em favelas, so para dar um exemplo, eu pude ver algo muito alem de humildes casa sem alvernaria com telhas seguradas por pedras. EU vi escadarias, criancas brincado em ruas asfaltadas, escolas, centros esportivos, uma biblioteca constituida por tres enormes predios, uma passarela em construcao para ligar dois morros, fila de banco... Demorei para assimilar tudo aquilo e quis subir e descer o morro mais uma vez.


Construcao de passarela...


Biblioteca...

Nunca fiquei tao feliz em ver fila de banco...

Ha uma receita caseira para revigorar a auto-estima que recomenda termos um menu de momentos felizes para serem puxados da memoria nas horas tristes. Em politica, nao e facil encontrar opcoes. Assim, incluo-me nos numeros de pessoas beneficiadas pelo Metrocable: ele tambem passou a me ajudar a viver melhor.

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A proxima cidade colombiana que visitei foi Cartagena, no litoral norte. Fiquei num albergue da Lonely Planet de novo, pelos mesmos motivos ja citados (internet e guias de viagem da Venezuela - alias, se alguem precisar, pode ir pegar em casa).

Ainda nao havia desistido da ideia de atravessar o Pacifico num veleiro e fui ate o Clube Nautico. Deixei alguns dados meus num mural e so aumentei meu desejo vendo aquele monte de barcos.
Voltei pensando em cancelar o voo para Cairo e ir ate o Canal do Panama, onde sem duvida seria mais facil a empreitada. Entrei no findacrew.com, o que ja havia se tornado tao habitual quanto entrar no orkut ou no gmail, e nao havia nenhuma confirmacao dos donos de barco para quem havia mandado mensagens.


Sonhando em cruzar o Pacifico

Acho que a ida ao Clube Nautico me entusiamou demais e o seguinte questionamento perpassou em minha mente: "que tipo de escolha e esta em que se precisa esperar a decisao de alguem para se dar o proximo passo?". Decidi perder uns 300 dolares por conta do cancelamento e ir ate o Canal (evidemente que se voces sabem que estou no Egito, muita coisa aconteceu. Mas calma, chegaremos la...).

Dai para frente, tudo que aconteceu foi surreal. Era noite de 31 de outubro, dia das bruxas, e uma funcionaria agitou os gringos para rumbiar (sair de balada). Fomos mais de quinze.
Dancando na minuscula pista do barzinho, conheci um marinheiro de um navio cargueiro. Ele me disse que iria para o Japao no inicio de janeiro e eu poderia ir com ele. E claro que eu ja sabia que estoria de marinheiro e cinquenta vezes mais fantasiosa do que de pescador, e nao acreditei que as coisas fossem tao simples assim.

O mais inacreditavel foi que ele me apresentou um australiano que estava voltando com seu catamara para a Australia sozinho. Conversamos longamente e, apesar de estar totalmente sobrio (a dor de garganta e o preco da cerveja nao me permitiram), toda aquela coisa romantica de viajar num veleiro por tres meses me embriagou por sete dias a ponto de nao considerar o mais relevante: Michael, o australiano, estava bebado.

Fui terminar a balada na praia com a alvorada e alguns novos amigos colombianos. Dentro de dois meses, pensava eu, estaria sob o ritmo das ondas, sendo guiado pelo vento...
O que se seguiu nos dias seguintes foi bem real (exceto pelo clima de "change" instalado pela vitoria de Obama). Peguei uma baita gripe e fiquei por quatro dias repousando num albergue de Taganga, praia de Santa Marta, ao norte de Cartagena.
Vi que seria mais dificil solicitar o visto australiano do que imaginava e que, talvez, nao pudesse receber de volta parte do dinheiro da passagem. Neste meio tempo, troquei e-mails com Michael e percebi que ele mudava de opiniao, quer dizer, formava opiniao, dado que bebado normalmente nao as tem. Apesar disso tudo ter me desanimado, ainda nao havia apagado a ideia de minha cabeca... e sequer enxergava as piramides de Giza em meu horizonte.

Fiquei duas noites no Parque Tayrona, no caminho para a Venezuela, e nao conseguia acalmar meu espirito mesmo com as praias paradisiacas. Busquei refugio na incerteza das caronas, acreditando que poderia trocar a indefinicao de meu futuro por outra mais imediata. O unico resultado que consegui foi que acabei chegando em Maicao, na fronteira, muito tarde. E tive de passar a noite num hotel do lado colombiano. A mocinha que me atendeu ficou toda assustada por conta de minha cara e, apos ver meu passaporte, explicou-me que havia recebido uma multa de cem dolares, se nao estou enganado, por conta de hospedar um chino ilegal.

Nao e o Harlem, nem o Quenia. E Cartagena, Colombia

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