Tuesday, July 15, 2008

Argentina e o Alaska da minha vida

No dia 9 de junho, segunda-feira, deixei Yuba às 6h30 da manhã com Daigo, 24, o qual iria até Andradina pegar milhos que seriam descascados e limpos pela comunidade. Fiquei em um posto de gasolina e comecei a jornada de caronas.
Até Presidente Prudente foi tranqüilo, mas lá começou o teste de paciência. Aguardei por 4 horas alguma carona em um ponto de ônibus. Ao parar um ônibus intermunicipal, negociei com o cobrador um valor até o posto de gasolina mais próximo (a 25 km) e paguei R$4,00. No posto, não precisei esperar mais de meia hora. Graças a Leoni, caminhoneiro, e Marcelo, seu filho, pude ir até Cascavel. Fizemos uma breve parada em Maringá para jantarmos (Leoni me pagou um lanche e Coca) e seguimos viagem.
Às 2h da madrugada estava me acomodando na única sala VIP para passageiros aberta na rodoviária de Cascavel. Forrei alguns jornais no chão e estirei meu saco de dormir. Lá, tive duas constatações aromáticas: a primeira, relativa ao cheiro humano característico dos ônibus de São Paulo nos períodos de fim de expediente, que estaria presente em tantos outros lugares durante a viagem; a segunda, referente ao cheiro do meu pé, que tenderia a piorar. Dormi até as 5h da manhã e caminhei até o posto mais próximo para chegar o mais rápido possível em Foz do Iguaçu.
Não sei quem foi o primeiro a dizer que cabe às mulheres o direito da escolha de seu par masculino, ou seja, é a mulher que escolhe o homem. Mas amplio esta idéia à carona. Assim, na minha condição de homem viajante, afirmo: mulher e carona que te escolhem, não o inverso.
Neste sentido, esperar uma carona e buscar uma mulher têm muitas semelhanças. Já dizia o Cássio que esperar uma carona era como estar em uma balada só com mulheres se divertindo enquanto você, homem, está encostado na parede, isolado no canto, chupando dedo. Se pensarmos desta forma, isto é, se pensarmos na estrada como uma balada, acho que teríamos as seguintes fases inerentes a ambas:
1 - Fase da expectativa: começo de tudo. Define-se a estratégia conforme as possibilidades: ficar plantado dando sopá, ou partir pra cima. Se não há posto de gasolina, só resta estirar o braço e levantar o polegar. Caso contrário, abre-se o maior sorriso e se aborda o alvo da melhor maneira possível. O tamanho do sorriso é inversamente proporcional ao número de NÃOs que você levar.

2 - Fase da angústia: seus sintomas se referem à descrição feita pelo Cássio. É a fase em que o acúmulo de NÃOs começa a pesar em sua auto-estima. Às vezes, é preciso se enconstar no canto e recuperar as forças.

3 - Fase do desespero: a fase do qualquer coisa serve. Pode ser caminhão carregado a 40 km/h, carro caindo aos pedaços ou carroça velha. Isto se você não for um daqueles que tá disposto a despender uma graninha. Tudo isso só pra dar uma revigorada e parecer que houve algum progresso.

4 - Momento de surpresa: não necessariamente vem após da fase do desespero. Não é uma fase, mas um momento. Um momento no qual mesmo aquelas que parecem impossíveis de pegar, acabam te escolhendo.

E foi assim que passou um POLO preto, todo filmado, e pensei: "vou pegar". Mas meu momento de surpresa não parou junto com o carro. Quando abri a porta e vi a parte traseira sem banco nem estepe pensei que o carro fosse roubado e eu seria a próxima vítima. O motorista era um índio guarani que ficava falando pelo rádio toda hora em espanhol, português e guarani. Prontamente, percebendo que fiquei assustado com a precária condição interna do veículo, ele me explicou que puxava mercadoria do Paraguai.
Não se tratava de um, mas ao menos seis carros que, sem dúvida, muito jovem gostaria de ter: vectra, astra, golf, polo. Todos com rádio e insufilm, mas sem banco traseiro e estepes. Na frente vai um automóvel normal para verificar se não há bloqueio policial na estrada. Havendo suspeita, desviam por estradas de terra paralelas à rodovia. Era o caso naquele dia, e tive dó da suspensão do pobre Polo. No caminho, havia um outro carro atolado em um pequeno barranco, que visivelmente não fazia parte do bando (era um chevet velho), e carregado de mercadorias. Disseram que só um trator poderia tirá-lo de lá e continuamos a viagem.
De volta à rodovia, enquanto cortava os demais carros a 140km/h, Pablo me explicava o esquema: cada carro transporta cerca de U$S5.000 por dia, fazendo duas viagens de ida e volta (Foz do Iguaçu-Cascavel). Pegam a mercadoria que era descarregada numa favela no lado brasileiro por meio de barco e depois devolvem o carro para o seu chefe. Falou-me também sobre os riscos de assalto no percurso, principalmente quando se pegam os desvios, e me relatou alguns casos em que os carros foram baleados.
Fiquei em um posto de gasolina já em Foz do Iguaçu e me dirigi às cataratas. Os R$17,00 gastos valeram à pena e tive uma das vistas mais lindas de minha vida. Parei para descansar e escrevr um pouco na frente de uma lanchonete e, sorrateiramente, fui vítima de meu primeiro roubo. A dupla de quatis levaram os biscoitos que havia ganhado no dia anterior em Yuba, antes de partir.Tratava-se da única coisa que tinha pra comer...


Como era cedo e a fronteira com a Argetina ficava muito próxima das cataratas, atravessei pela ponte Tancredo Neves a pé. Estava muito animado porque nunca havia ido à Argentina, mas ao mesmo tempo receoso com a disposição dos argentinos de concederem carona. Cheguei em Puerto Iguazú antes das 16h e fui direto a um posto tentar carona. De um lado, havia inúmeros caminhões brasileiros e argentinos aguardando para entrar no Brasil, alguns, inclusive, esperavam outros companheiros que estavam presos nas rodovias argentinas por conta da greve dos agricultores. De outro, quase não havia caminhões que estavam entrando na Argentina, e os que estavam na aduana teriam que aguardar até a manhã do dia seguinte.




Já eram 19h quando desisti e fui procurar algum lugar para passar a noite. A rodoviária de Puerto Iguazú possuía segurança e funcionava 24h, então não tive dúvidas quanto a passar a noite lá. Mas os mesmos rapazes que cuidavam de minha integridade física, também zelavam pela reputação da rodoviária, se é que se pode falar assim. Quando tirei o saco de dormir e comecei a dar as primeiras pescadas sentado no banco, o segurança me deu uns chutinhos na bota e me disse: "no puede dormir acá. Simula, simula!". Então peguei um livro e tentei seguir sua recomendação. Não passou muito tempo e outro segurança veio me perguntar a que horas pegaria o ônibus, respondi que ainda não sabia e iria comprar o bilhete só pela manhã.
E assim foi até às 5h da manhã, quando me retirei, não sem antes agradecer aos seguranças por sua paciência. Fui até à rodovia e continuei a tentar carona. Um carro velho parou para mim e me deu a carona mais rápida do mundo: rodamos no máximo 1km, até um posto minúsculo. Lá havia um ônibus que descia para Posadas, a 300 km de Puerto Iguazú. Conversei com o cobrador e, por cinco dólares, levei quase seis horas para chegar na cidade.
A partir daí, os efeitos devastadores da auto-estima que advêm do fato de não se conseguir nenhuma carona começaram a pesar e a síndrome de abstinência à Yuba começou a ser sentida. Naquela hora em que me dirigia à rodoviária de Posadas para pegar um ônibus até Buenos Aires, realmente queria pensar que o responsável pelo meu fracasso era a greve, mas não fazia sentido nenhum. Exausto de tentar carona por quase sete horas e meia e somar somente dois quilometros, além de um táxi que achou que eu ia pagar e me deixou num ponto de ônibus após 50 metros, gastei 89 pesos (aprox. R$45,00) para percorrer os 1000 km que me separavam de B. Aires. Apesar de sair barato em relação ao padrão brasileiro, a sensação foi de derrota.
Em Buenos Aires, encontraria-me com a Satomi (a amiga japonesa que toca pandeiro) e ficaria na casa de seus amigos (Mariana, Alex, Nicho e Valeria) no tradicional bairro de San Telmo, muito próximo de La Boca. Apesar de estar bem alojado e na companhia de ótimas pessoas, não me sentia bem, tanto que a Satomi percebeu minha aflição. Estava com receio de continuar tentando as caronas e Yuba não saía de minha cabeça. Evidente que isto prejudicou o aproveitamento da viagem, mas ainda assim realizei uma série de atividades que me possibilitam dizer que estive em B. Aires: assisti ao tango, comi asado (presente de aniversário da Satomi. Obrigado!), tomei o tradicional submarino do Café Tortoni, bebi Quilmes, vi a Bombonera, assisti a uma manifestação de estudantes do segundo grau na frent da Casa Rosada, tomei muito mate, vi as Madres de Plaza de Mayo...



Manifestação de estudantes do 2º grau

Passei uma noite muito agradável e interessante com Choi, um amigo do Allan que fez ESPM, David, seu amigo ilustrador, e a Satomi, em um bar no centro de Buenos Aires. Em um momento da conversa falamos sobre os motivos de minha viagem e o filme Natureza Selvagem (conta a história real de um jovem de classe média-alta que conclui a faculdade e viaja rumo ao Alaska). Ainda não assisti a ele, apesar de ter ouvido muito a respeito. Mas mesmo assim, posso afirmar que, ao menos até encontrar Yuba, meus objetivos de vida eram muito claros, ou que eu sabia qual era o Alaska da minha vida, como o Choi tão bem perguntou.
E esta pergunta, "qual é o Alaska da sua vida?", continuou a me perturbar durante um tempo considerável. E quanto mais difíceis se tornavam as condições da viagem, maior era meu desejo de estar em Yuba e, assim, titubeavam as minhas convicções que pareciam tão solidamente erigidas antes da viagem.
Deixei Buenos Aires e parti rumo à Bahía Blanca (690 km de B. Aires), ao sul da província, de trem. Pensava em ir até Viedma para pegar o famoso Trêm Patagônico que vai até San Carlos de Bariloche. Deu início, assim, a parte mais difícil da viagem pela Argentina, na qual a dificuldade em se conseguir caronas me levou ao trade-off transporte-hospedagem para que eu pudesse manter meu orçamento. Dessa forma, pagava o transporte, mas dormia em rodoviárias. Contudo, se por um lado podia decidir acerca deste trade-off, por outro, tinha que superar o companheiro que subiu comigo em B. Aires na classe econômica do trem e me acompanharia por muito tempo: o frio.
Usava toda a roupa que possuía e minha mochila estava muito mais leve, mas mesmo assim, e ainda me cobrindo com o saco de dormir, era impossível manter todo meu corpo aquecido. Preocupei-me principalmente com meu peito, o qual consegui manter quente, em contraposição às pernas, que sempre estavam frias. O pior era ter de ficar aproximadamente 14 horas na rodoviária para não enfrentar o período mais rigoroso, das 18h às 8h, e mesmo assim continuar com os tornozelos gelados. Foi assim em Bahía Blanca e Viedma, província de Rio Negro.
Minha insatisfação era bem expressa com a pergunta que me fiz nos três dias mais congelantes: "que merda estou fazendo?". E a pergunta era mais reflexo de Yuba ter mexido com meus ideais do que propriamente com a dificuldade que o frio proporcionava. Talvez, se eu tivesse feito como os viajantes japoneses que terminavam suas jornadas em Mirandópolis, iria afirmar: "O Alaska da minha vida é Yuba". Mas não, Yuba era apenas para ser o começo da viagem... o primeiro destino de meu itinerário... e me pegava desejando estar somente lá, desejando ingressar indefinidamente naquele estilo de vida.
E, de repente, alguns minutos depois de ter me recolhido para a rodoviária de Viedma e sentado naquilo que seria minha cama provisória (um banco de quatro assentos), a mudança, ou o retorno das antigas convicções, começou a acontecer. Pensei firmemente porque estava lá, porque estava me submentendo àquelas situações que não me devam prazer algum ou talvez parecessem vazias de aprendizados. E simplesmente a resposta pulou em alguma parte do meu cérebro: por mais que eu desejasse viver uma vida "como os lírios do campo", cultivando a terra, amando as artes e vivendo para a famíla, eu ainda teria que lidar com a auto-cobrança recorrente de sentir que estou contribuindo para o desenvolvimento de algo que ultrapassa o círculo familiar, apesar de acreditar que ela seja a instituição baseda sociedade.
Desta forma, a viagem seria o tempo de aprender com as dificuldades, mergulhar em mim mesmo com a solidão, ouvir as experiências dos outros mais do que falar das próprias. Este tempo que havia reservado seria a fase preparatória para me sentir, ao final, apto a lidar com este sentimento de auto-cobrança com pureza e sem arrogância. E assim, as coisas passaram a mudar: resignar-me com o fato de não ter conseguido carona tornou-se mais fácil; dormir na rodoviária, menos aflitivo; cumprir um cronograma e respeitar um orçamento, parte necessária do processo; tentar me "lavar" no banheiro da rodoviária, um quebra-galho indispensável; lidar com o frio, algo temporário.
Satisfeito com esta reflexão, fui ao banheiro me preparar para dormir, isto é, lavar o rosto, escovar os dentes etc. Quando retornei, deparei-me com um senhor folheando o guia Lonely Planet da Am. do Sul. Começamos a conversar e foi sensacional. Ainda que o assunto tenha sido o mais comum entre os homens, mulher, foi extremamente divertido ouvir as experiências amorosas de um americano com quase a idade do meu pai, solteiro e sem filhos. Ele havia estado em Bariloche e me sugeriu um hostel.
No dia seguinte, optei por sair da rodoviária mais cedo, ainda que fizesse frio e não houvesse sol. Fui a uma biblioteca pública acessar à internet e, tendo superado a fase de crise, achei que poderia perguntar a opinião de meus amigos, pois isto não seria mais um paliativo sentimental.
Já no Trêm Patagônico, ao final do dia, conheceria uma série de famílias e me divertiria com suas crianças, além de ficar muito amigo de um senhor chamado Juan, o qual repartiu comigo sua comida, balas e água. Ainda por cima, já em Bariloche, a filha do Sr. Juan me deu carona até o centro da cidade. Eu, por minha vez, emprestei-lhe o poncho e repartimos o papel laminado (saco de emergência) que retém calor. Estava curtindo, apesar da pouca calefação do trêm e de nevar durante a madrugada.
Do lugar de onde me deixaram no Centro Cívico até o 1004 Penthouse, hostel sugerido pelo americano, precisava andar somente uns 100 m. O lugar era fantástico: com uma vista incrível do Lago Nahuel Huapi, café da manhã, gringos interessantes e macarrão, alho e óleo (ingredientes que podem ser livremente consumidos e com os quais poderia fazer o prato que se tornaria minha especialidade). Também havia chegado durante a Fiesta de la Nieve, o que me pareceu uma tentativa da prefeitura de antecipar a temporada, e assistiria aos fogos de artifício do domingo na varanda da cobertura, depois de fazer trekking nos cerros ao redor do Lago. Seria ótimo compartilhar o que vi, mas não tenho registro fotográfico algum (procurem imagens no google) porque, como lerão, fui assaltado no Paraguai.
Duas coisas relacionadas as minhas convicções me deixaram muito contentes em Bariloche: uma conversa com Joe, americano, 41 anos, 32 países; e a resposta de João (amigo do DAGV e experiente em viagens) ao e-mail de Viedma. Joe é formado em Ciências Políticas, trabalha (faz dinheiro) para viajar. Conhecê-lo foi importante para mim não só porque seu estilo de vida é interssante, mas porque ao ouvir suas experiencias, negava a minha vontade de sguir seus passos, dando consistência ao meu plano de viagem. Já a resposta do Zanini me deixou orgulhoso de mim mesmo de ter conseguido me encontrar e estar aproveitando melhor a viagem.
Na segunda-feira partiria pra Neuquén, ao norte. Novamente não consegui caronas e fui de ônibus. Passei o dia lá conhecendo a cidade e, à noite, peguei o ônibus para Mendoza. Economizei quase 30 pesos (R$15) e pela quantidade de paradas que me acordavam constantemente, percebi o porquê da diferença. Há três horas de Mendoza (4h30 da madrugada), o funcionário da companhia me acordou dizendo que trocaríamos de ônibus: mais essa, mas valeu à pena.
No outro veículo estava Michele, um italiano que conheci no 1004. Chegando em Mendoza, não imaginei que ele iria querer a minha companhia, até porque, por estar gastando muito com transporte, teria que dormir na rodoviária. Expliquei minha situação a ele e disse que seria melhor cada um seguir seu caminho, mas, mesmo assim, ele queria que eu o acompanhasse até o hostel em que se alojaria.
Paguei o ônibus que nos levaria até lá porque ele não tinha moedas naquela hora e fiquei torcendo pra ele me pagar o equivalente a duas viagens, dado que, da minha parte, teria ido a pé. Deixei-o no albergue e combinamos de tomar um vinho às 19h lá mesmo. Assim, fui conhecer Mendoza, para mim a cidade mais agradável da Argentina: bem urbanizada, com ruas largas e muitas praças para se precaver de terremotos como o de 1861, que destriu quase toda a cidade.
Por volta das 15h, quando estava descansando na Plaza Independencia, a principal da cidade, um grupo de estudantes do segundo grau se "encantaram" com meus olhos puxados e começaram a puxar conversa.
Um deles, que tentava parecer o mais descolado, disse-me que havia uma lanchonete lá perto caso eu quisesse comer alguma coisa. Achei a sugestão bem deslocada do contexto e nos entedemos quando perguntei se era "sin cargo?". Um pouco depois, ele me perguntou se eu não queria fumar marijuana e pensei comigo: por que convidar para uma refeição não pode ser um ritual tão sociável como uma roda de mate/tererê ou um convite para se fumar um banza? E mais: quantas refeições eu poderia ter feito até o momento se cada convite para dar um tapa fosse substituído por um prato de comida? Recusei e fui procurar algum lugar para comer o pão que tinha guardado na mochila.
Quando estava a uns 200m de distância, um segurança veio me perguntar se os jovens não haviam levado nada de minha mochila. Já havia verificado e disse que não. Só fui me dar conta da ausência de um estojo que continha borracha, lapiseira e caneta, uma hora depois, quando ia escrever. O prejuízo foi pequeno, mas não pude acreditar em minha ingenuidade.
Às 19h passei no albergue do italiano e não teve jeito. Ele disse que não me deixaria dormir na rodoviária e pagaria minha diária. Insisti que não havia problema, haveria bastante segurança, não fazia tanto frio e eu estava acostumado. Naquele momento, vi o quanto era difícil viajar a minha maneira a dois. O fato de eu controlar meus desejos e passar vontade não era um problema, mas o mais difícil era lidar com o constragimento do outro que se sente numa situação mais confortável. Passei muito tempo explicando o porquê de dormir na rodoviária, ou ainda viajar de carona e andar somente com uma calça (pior do que pisar em chiclete é sentar em um. Tive que explicar pra ele que não podia tirar a calça para lava-la porque só estava com aquela).
Naquela noite, jantaria a minha especialidade (macarrão alho e óleo), tomaria a cerveja Andina e a Quilmes, poderia usar a internet e dormiria em uma boa cama graças ao italiano de Peruja.
Se não bastasse despender dinheiro por mim, ele ainda queria passar o dia seguinte a minha maneira. Assim, fomos até Maipú para conhecer as bodegas mendozinas. Só entramos em bodegas gratuitas e caminhamos mais de 7km juntos ao invés de gastarmos 15 pesos cada um com o aluguel de bicicletas. Ainda que ao final do passeio Michele naturalmente começasse a dar indícios de seu cansaço em se deixar levar por meu estilo (capotou no ônibus que nos levava de volta ao centro, resmungava do meu bafo de alho, ficava boa parte do tempo calado, dizia que não se pode viajar desta maneira...), ele me deu uma enorme lição de como eu deveria me portar na viagem: com humildade (em momento algum o italiano respondeu "temos que fazer assim", sempre me perguntava o que eu preferia fazer), aceitando as condições que somente ela própria, a viagem, me impõe. Seria a estrada a diretora de meu road movie particular e mestra das lições que estariam por vir.
Despedi-me de Michele e fui à rodoviária. Iria para Córdoba e ficaria em uma república de biólogos amigos do Bruno (amigo da Federal. VALEU BRUNO!). Cheguei no dia seguinte, sexta-feira, por volta das 8h da manhã. Também gostei da cidade e fiquei satisfeito com a temperatura, que desde Mendoza estava se tornando mais quente. No guichê de informações turísticas vi o anuncio do Refugio Nocturno Cáritas (albergue gratuito de uma igreja católica), achei que seria interessante passar uma noite lá, mas preferi deixar para domingo.
Na república moravam quatro rapazes - Lissa, Nacho, Daniel e Juan - e logo de cara percebi que me daria bem: ao ver a pilha de louças a serem lavadas, senti q poderia ser util (patético, mas verdade).
Com Juan é que passei a maior parte do tempo. Ele tinha que resolver umas coisas no centro e me mostrou a cidade. Senti falta dos tempos de DAGV ao entrar nas instalaçãoes da Universidade de Córdoba, a mais antiga do país (iniciada em 1640). Ainda me convidaria para acampar em Costa Blanca, às margens do Rio San Antonio, de sábado para domingo, pois uma cooperativa de estudantes iria fazer seus estudos lá. Chegamos no lugar em que acamparíamos sábdo à noite, por volta das 20h, horario em que já se estava suficientemnt escuro. Recebmos auxílio de Hermes, cordobês que estava há 9 anos morando em uma barraca às margens do rio, rodeado pelos pequenos cerros. Fizemos a tradicional roda de mate para nos esquentar e conversamos. A noite estava muito fria e foi difícil dormir.
No dia seguinte, fizemos trekking pelos cerros e pelas margens do rio, almoçamos às 15h30 e me despedi de Juan ao final do dia, pois eles passariam mais uma noite enquanto eu precisava retornar à Córdoba para passar a noite no Refugio Nocturno. Retornei à república, arrumei minhas coisas rapidamente e me despdi dos demais. Cheguei no refugio por volta das 21h. O albergue era muito limpo e organizado, nada se parecendo com o que conheci no Bixiga por meio do Bixo Solidário do DAGV há uns anos. Por ser domingo não havia muitas pessoas, dado que a maioria se abriga durante a semana por conta de consultas médicas nos hospitais cordobeses.
Recebi uma fronha, dois lençóis, uma toalha, xampu, dois cobertores e um papel contendo as normas do refugio. Banhei-me com água quente e jantei arroz e frango.
A noite, difernt do que eu imaginava, não seria tão tranquila. Havia soment mais duas pessoas além de mim no quarto que poderia acolher até seis homens, mas mesmo assim foi dificílimo dormir. Estava no meio dos dois e, enquanto o cara do lado esquerdo parecia ter na garganta o motor de um daqueles caminhões velhos em que havia pegado carona, o do lado direito não parava de resmungar do ronco do amigo.
No dia seguinte, acordaria às 7h e tomaria café da manhã com outras pessoas que ainda não havia conhecido. Daniel, do interior de Córdoba, estava com seu filho de 11 meses internado no hospital. Uma senhora de idade tinha falta de hormônios e ficaria na cidade até quarta para realizar consultas. Renato e Mateus, de Salta, estavam na cidade à procura de emprego. Enfim, todos estavam provisoriamente alojados no Cáritas.
Não havia cidades que fazia questão de conhecer, e também não teria tempo para visitar Catamarca, Salta ou Jujuy. Então passei a focar Asunción, Paraguy. Antes passaria pelas cidades de Rio Seco (Província de Córdoba, 250km da capital); Ojo de Agua (Província de Sgo Del Estero, a 50 km de Rio Seco); Sgo Del Estero (capital), dormiria na rodoviária de Sgo Del Estero. Caminharia até La Banda, vizinha de Sgo, e pegaria um ônibus até Resistência (capital de la Provincia del Chaco). Finalmente, de Resistência, e somente com 23,20 pesos no bolso, gastaria 20 pesos com o ônibus até Clorinda, fronteira com o Paraguai. Valeu à pena, apesar de ter feito uma parte da viagem de pé, porque não havia lugares suficientes para todos. Tomei mate com uma senhora muito boazinha e conheci outras pessoas que iriam até a ponte Loyola. Estas me passaram informações sobre a fronteira, os cambistas e suas cotações.
Ao descer do ônibus, vi adiante, atravessando a ponte, uma família composta por três mulhers carregadas de bagagem. Ajudei a levar algumas malas e foi assim que se iniciou uma nova etapa da viagem: Paraguay, a qual reservava uma grande decepção, mas muitas surpresas boas.






3 comments:

Unknown said...

Não sei no inverno, mas na primavera Cuesta Blanca é um dos lugares mais lindos em que já acampei! E acho que conheço o tal Hermes - acredito que seja o Ermi (diminutivo de Ermitano - por causa do seu estilo de vida).
Força na viagem, Oshima. Depois te mando um e-mail sobre o cartão (qdo eu for pra casa dos meus pais, que ele tá lá...)
E sua viagem tá muito chique, hein? Bariloche no inverno!

Lourdinha Campos said...

Ei, Fernando,

Continuo lendo as suas aventuras... Agora na Argentina! J� fui a Buenos Aires, tomei cerveja Quilmes, o submarino do caf� Tortoni, etc,etc,etc... Adoooooorei um lugar em especial: O Caminito, em La Boca. Voc� deve ter ido l�. Foi onde assisti uma apresenta�o de tango gratuita e maravilhosa! Tudo de bom...

Beijocas, Lourdinha.

Unknown said...

Oi Fê,

Tudo bom? Ainda não consegui ler seus posts por completo...
Você falando de Foz e Paraguai é igualzinho o Kazushi me contando de lá...
Poxa... Quando você dorme na rodoviária como você faz com a sua mochila?? Coloca no saco junto com você?
Saudades!! Se cuida
S2