Friday, June 20, 2008

Yuba/Mirandopolis - Moro na roça ai-ai-ia...





Yuba chegou ao meu conhecimento quando ainda estava no Japao, em final de fevereiro ou começo de marco. O Allan (amigo da GV e companheiro de samba) me mandou um e-mail dizendo que queria conhecer uma comunidade japonesa no interior de Sao Paulo composta por cerca de 60 pessoas .
Retornei ao Brasil e, conversando com ele, achei que seria um otimo lugar para iniciar minha viagem. De subito, no domingo de minha despedida, quatro dias antes do inicio da jornada, o Allan, o Cassio e a Satomi disseram que gostariam de ir comigo passar o feriado prolongado.
Assim, fomos todos juntos na manha de quinta-feira. Os tres retornariam no domingo de manha e eu pensava em ficar 14 dias, mas nao resisti e fiquei 18 (ate a manha de nove de junho), muito mais para passar meu aniversario com pessoas que se tornaram muito queridas do que para simplesmente nao passa-lo na estrada (como pensava antes).
De quinta a domingo (quatro primeiros dias) nao pude entrar no cotidiano da comunidade por conta da quantidade de visitantes que se hospedaram la. Toda a programacao foi feita especialmente para receber uma escola de lingua japonesa da Zona Norte de Sao Paulo, e nos, naturalmente, seguimos a agenda de atividades.
A partir de segunda-feira já entrei no ritmo de Yuba indo colher quiabo, podando goiabeiras, descascando e limpando milho, fazendo cerca... Também pude acompanhar os ensaios do ballet, os treinos do coral, as aulas (somente em japonês) para as crianças e as viagens para apresentaçãs em outras cidades.
Além destas atividades, há aulas de música (piano, violino, violoncelo, flauta), ateliê de pintura, esportes (beisebol, tênis) e a pinguinha/cervejinha do final do dia que também contribuem para a integração dos membros e desenvolvimento da coletividade. Porém, os maiores eventos sociais de Yuba são as refeições, sempre precedidas de alguns minutos de silêncio para cada um orar a sua maneira, e o ofurô (banho turco).
O horário das refeições é anunciado com o toque de um berrante. Ainda que todos possam se acomodar onde quiserem, os mais velhos já possuem seus lugares cativos e seus filhos costumam se sentar próximos a eles. É um momento para se desfrutar as delícias da culinária Yubana (renderam-me três quilos e me ajudaram a melhorar da gripe que tinha quando cheguei) e pôr a conversa em dia.
O momento do ofurô é como o da refeição: não se deve estar sozinho. Parecia constrangedor no começo, tal como foi para mim em Kyoto, num hotel em que fiquei com meus tios e um amigo, mas não precisou ninguém desmaiar (a pressão deste meu amigo caiu e ele desmaiou, o que foi suficiente para se esquecer do detalhe de que estavamos pelados) pra se deixar a timidez de lado.
Foi sentado no banquinho de madeira me banhando que pude conhecer melhor moradores mais velhos com quem não tinha a oportunidade de trabalhar ou passar algum tempo juntos. Assim, descobri viajantes japoneses que terminavam suas viagens em Yuba e recebi recomendações para tomar somente destilados (uma referência educada a minha barriga de chopp). No final, até comecei a me sentir solitário quando tomava banho sozinho (não façam mal uso desta afirmação).
Outra experiência, se não enriquecedora ao menos engraçada, foi participar do ateliê de pintura que acontece às 14h30 das sextas-feiras. Havia oito pessoas de idades que variavam de cinco a quarenta e tantos anos para pintar uma natureza morta (um vaso com flores, um coco e um ramo de folhas). Fazia pelo menos dez anos que nao sentava para desenhar alguna coisa e, quando olhei para o papel, foi como se estíbese lendo uma prova de Estatistica ou Financas da GV: nao tinha nem ideia de por onde comecar. Nestas situacoes, so resta o tipico “embromation geveniano” que nos leva a ser o ultimo a comecar a prova e o primeiro a terminar. Vi que o meu desenho estava mais para uma pintura abstrata com influências de Manabu Mabe do que para um retrato de paisagem morta, e nao tive duvida de que o desenho do menino de cinco anos estava melhor do que o meu. A parte que coordena as aptidoes plasticas do meu cerebro debe ter um ano a mais do que a do menino, dado que ao menos eu podia reproduzir as coisas em tres dimensoes.
Já observar o ballet, seja em suas apresentacoes ou em seus ensayos, era com certeza o apice de meu dia. E claro que nao se trata de um The Royal Danish Ballet, mas por ser exatamente o Ballet Yuba, que agregava pessoas de idades tão distintas, talvez de ate tres geracoes, e por ter convivido com eles seja na roca, seja no galpao descancado milho ou no refectorio orando antes das refeicoes, e que se tornava tao magico olha-los se transformando no palco. Vi a mesma apresentacao mais de sete vezes, e em todas elas era vivificado por um enorme extase.
Em relação à educação japonesa, era incrível observar a liberdade das crianças que corriam para lá e para cá sem que houvesse constantemente os olhos preocupados dos mais velhos. A autonomia era tanta e as crianças tão desenvoltas que era impossível descobrir quem eram seus pais. Quase fiquei vermelho quando uma menina de dois anos me disse "eu posso fazer sozinha" quando tentei ajudá-la a pôr o sapato. Ou ainda quando eu pensei em pegar um bebê de menos de um ano no colo porque berrava e um garoto de 14 veio olhá-lo e me disse "não precisa, ele não esta chorando". Tudo isso me deu uma dimensão da educação japonesa e me fez compreender a frase 「三つ子の魂(たましい)百まで」 (A alma constituída até os três anos é a alma que se extende até os 100 anos).
Ainda a este respeito, e inserido no pensamento japonês de valorização de todas as coisas, foi impressionante verificar uma mãe dando bronca por mais de 20 minutos numa criança, a qual não tinha nem dois anos e esperneava pedindo colo, por conta de ele ter jogado comida no chão. Nunca vi paciência tão educadora, dado que a criança se acalmou e pediu desculpas, que pareciam voltadas mais ao alimento jogado do que à própria mãe. Outro caso de rigor contra o desperdício se deu com uma outra mãe que catava cada grão de arroz que se havia grudado na camiseta de seu filho e os colova na boca.
Também o senso de coletividade e a ausência de distinção por conta de idade ou posição social foram outras coisas que me deixaram surpresos. Se o dia seguinte fosse dia de entrega (de quiabo e milho, principalmente) e havia trabalho para até depois da janta, então pessoas que já haviam terminado seus afazeres iam ajudar até o final de todo o serviço para que o descanso fosse desfrutrado conjuntamente. Assim foi numa noite de quarta-feira: jantamos rapidamente e, com pessoas de cinco a cinquenta anos, terminamos o trabalho em menos de uma hora.
Mas este tipo de atitude dos moradores de Yuba não se restringia ao interior da comunidade. Em Avaré, após guardar todo o equipamento do ballet utilizado na sua apresentação, os yubanos se reuniram para ajudar a carregar um caminhão com cadeiras e mesas utilizadas pelos organizadores do evento. Por meio daquilo que é característico do trabalho de equipe, o "escravos de jó", o trabalho foi feito alegre e rapidamente, e só depois de concluído é que Yuba foi jantar.
Entre os visitantes recebidos no período em que estive lá, havia um funcionário da embaixada japonesa e um representante do Ministério da Cultura, Sérgio Mamberti, mas conhecido como Dr. Vítor do Castelo Ratimbum. Ainda que sejam pessoas importantes socialmente, não tiveram nenhum tratamento especial por conta de seus cargos ou posição social (fama não conta muito porque lá se assiste mais a NHK): se é a primeira visita, são apresentados na refeição; não têm comida e quarto especiais, ou qualquer regalia ou favorecimento. Ah, tomamos Bohemia na noite em que o diplomota foi recebido, mas somente porque foi presente (por acaso, do próprio).
Assim, esta junção de arte e cultivo da terra, somada a uma enorme valorização da estrutura familiar e da coletividade, trouxe-me uma grande paz que me fez refletir sobre a hipótese de eu aderir este estilo de vida bucólico, que antes recusava com veemência menos pelo desgosto do trabalho agrícola do que pela preocupação de estar alheio aos problemas do mundo.
Foi esta paz acolhedora que me tornou "ひでき 感激。" (Hideki Kangueki). “Hideki Kangueki”, explicou-me Koojiro, um dos moradores da comunidade, era uma especie de slogan utilizado em um comercial japones de tevê ha 25 anos, mais ou menos. Um garoto chamado Hideki comia um prato de comida japonesa, o kare, e assim se tornava “Hideki Kangueki”, isto e, Hideki emocionado (para quem nao sabe, meu nome japones é Hideki).
E foi emocionado e um pouco triste por conta de se estar próximo do fim, é que comemorei meu aniversário em Avaré, em seu ginásio de esportes, palco da provável derrota dos gevenianos para os feanos no futsal no mês de maio, que ainda continha um adesivo colocado na quadra anunciando os jogos universitários dos cursos de administração, economia e ciências contábeis, ECONOMÍADAS. Ganhei até presente, de uma forma muito curiosa.
Estava eu sentando com Sho-ê, um garoto de 11 anos, quando ele veio me perguntar o que era trufa, que estava sendo vendido atrás da platéia. Expliquei que era um doce feito de chocolate até que brinquei: "tá querendo que eu te pague um, né? Mas peraí, o aniversário é meu e você que não me deu nada". Foi aí que ele viu um papel no chão, pegou-o e me deu. Era um convite para o evento. Respondi, "pô, mas o evento é gratuito. Isso não vale nada", mas como verifiquei que havia uma numeração (811), guardei-o no bolso imaginando que haveria um sorteio. Momentos depois, nas palavras de abertura, o apresentador disse que ao final do evento seria sorteado um dvd, então pensei: "É meu. Preciso presentear Yuba com algo que demonstre minha gratidão."
O evento terminou e me dirigia aos fundos do palco para cumprimentar os integrantes do ballet quando começou o sorteio, "o número sorteado é mil e..."; pensei, "não tá. A pessoa não tá." Ele anunciou o número todo e a pessoa realmente não estava. Depois sorteou-se outro número que começava com 8. Pronto. Disse para dois integrantes de Yuba "Vou pegar nosso dvd" e já subia pelas escadas da parte de trás do palco quando o apresentador completou "número 8-1-1: 811". Fiquei com medo de acharem que era marmelada, porque fui anunciado como um integrante de Yuba, mas foi tudo bem. Quando voltei para os fundos do palco com o dvd na mão, olhei o Sho-ê me esperando e lhe extendi o presente.
Tá bom, sei que talvez pensem: "tem que dar mesmo, o que você ia fazer com um dvd na viagem", e não vou responder que talvez pudesse fazer um troco. E, na verdade, já havia recebido muitos regalos: calos nas mãos (não sabem como me dá gosto olhá-los), três quilos, um apelido (Hideki Kangueki), e, principalmente, uma dúvida que se tornaria determinamente para a minha viagem. Sobre esta dúvida, falarei mais adiante, mas esta intrinsicamente ligada à sensação com a qual acordei na manhã de quarta-feira, cinco dias antes de partir de Yuba, que batizo de agonia da despedida.
Trata-se daquela agonia que vem da percepção de qeu em breve será preciso partir. A mesma agonia que nos faz recear o adeus também instiga o eu-lírico: se o pestinha que te bate se torna um principezinho, a criança que antes era somente linda e adorável, seu ideal de filha; os pássaros parecem cantar mais; a mesma lua e o mesmo céu se tornam ainda mais elementos de contemplação... e no fundo, faz se poesia melancólica, música sertaneja, pagode universitário... Todas aquelas coisas de quem não está satisfeito com algo e se lamenta. Leiam a parte da Argentina e verão.
Para concluir, comento rapidamente uma matéria da Caros Umbigos (também conhecida como Caros Amigos) sobre Yuba numa espécie de edição especial "os japoneses na esquerda" na qual há entrevistasas, as quais não pretendo comentar, com japoneses do MR-8, da ALN; além de uma do Gushiken dizendo que quando era pequeno ouvia brincadeiras relacionadas ao tamanho de sua genitália.
A revista exagera e esteriotipa, como sempre. "Um lugar onde tudo é diferente, onde todos fazem de tudo, onde a agricultura e a arte se encontram, e onde ninguém tem dinheiro." Ou ainda, "Aqui a entrada é livre: não há portões nem muros, nem trancas, nem cadeados. Não há leis nem concorrência. Regras não existem: cada um faz o que bem entende. Ninguém recebe ordens de outra pessoa..."
Yuba não quer ser exemplo daquilo que os caros-esquerdistas desejam propagandear, dado que Cuba e China não são baluartes. Tanto o é que ninguém teve paciência de ler a matéria até o fim (exceto eu, que me arrependo, por sinal) e a primeira reação, de tão pura e ingênua, foi recear por seus exageros. Uma jovem me disse que é perigoso ficar anunciando que não há muros, nem trancas, nem cadeados.
O dinheiro existe e é necessário, não somente para comprar aquilo que não é produzido internamente, mas até mesmo para se ir a um rodeio e tomar uma cerveja, ou ainda meramente pra se comer um lanche. Regras não estão escritas por extenso, mas há um enorme respeito aos mais velhos e aos pais, além do fato de se tratar de uma associação que, portanto, possui um estatuto. "Cada um faz o que bem entende", não se trata de um movimento punk-anárquico, mas sim de uma comunidade constituída de integrantes fortemente conscienciosos de suas obrigações, tornando-se desnecessária as ordens. A livre concorrência pode não exister dentro da comunidade, mas é comprendida e assimilada pelos seus gestores, senão não poderiam desfrutar a atual condição de superávit de suas operações.
Enfim, não sei se Isamu Yuba, fundador da comunidade, teve influências de Proudhon, Marx, Rousseau ou qualquer autor que insufla os ânimos esquerdistas, e na verdade isto não é relevante, ao menos para mim. Os membros da comunidade Yuba não culpam o "neo-liberalismo", não pregam o fim do livre-mercado, ou abominam a tecnologia ou os produtos das multinacionais. São pessoas que, com base nas tradições, cultura, educação e costumes japoneses, são felizes em sua simplicidade por buscarem a transformação de si próprios ao invés da revolução da humanidade. Foi lá que meu orgulho de ser descendente de japoneses se tornou muito maior do que quando admirei a estrutura ferroviária dos trens-balas ou as grandes edificações japonesas.

弓場、どうもありがとうございます!!!!!

Como cantaria o Cássio... "Moro na roça ai-ai-ai... nunca morei na cidade... como o gohan da manhã, e o gohan da tarde"

P.S. 1: quem quiser saber mais sobre a comunidade, pode acessar os seguintes sites:

- www.estadao.com.br/suplementos/not_sup81750,0.htm

- www.youtube.com/watch?v=L33D3PhkjSM

- http://vejasaopaulo.abril.com.br/red/galerias_vejinha/yuba/

Não tenho certeza, mas acho que a exposição de fotos da Lucile Kanzawa ainda pode ser vista na Pinacoteca.

P.S.2: desculpem-me pelo fato de não estar tudo devidamente acentuado. Uma parte havia escrito na Argentina. É também por este motivo que há coisas escritas em espanhol: o famoso corretor automático do Word.




Miê e Linta fazendo "Moti" (massa feita de arroz)

2 comments:

Anonymous said...

「三つ子の魂(たましい)百まで」だよ!!

Anonymous said...

「三つ子の魂(たましい)百まで」だよ!