Sunday, May 4, 2008

Prólogo desta capoeira

Paulo Vanzolini compôs uma bela canção chamada "Capoeira do Arnaldo". Nela, narra a história de um homem que sai de sua terra natal para viajar por aí (talvez não seja por aí, mas sim para a cidade grande).

Não sou Arnaldo, não passei frio nem passei fome, não me sinto um passarinho fora do bando (ao menos por enquanto, dado que ainda não saí por aí). Também não deixo, ao partir, noivas sem marido, crianças sem pai. Mas acredito que, em sua essência, a música tem muito a ver comigo.

As pessoas podem não entender, podem achar que o desejo de viajar pelo mundo apenas com uma mochila seja falta de perspectiva, busca de si próprio ou fuga da realidade. Afirmo com convicção que, acima de tudo, trata-se de uma ESCOLHA. Diga-se de passagem, uma escolha repleta de reflexões, não muito diferente da escolha da profissão.

É evidente que o processo todo se inicia com as fagulhas de inspiração que refletem nossa inclinação para tal. Trata-se do início da revelação do desejo de "viajar, viajar/ mas para parte nenhuma.../viajar indefinidamente...". E isto é muito difícil de se explicar, porque a decisão de "viajar, viajar" não se calca na escolha do destino, mas sim nas experiências que a viagem em si proporcionarão. Nesta etapa, não posso deixar de agradecer ao João Zanini, Cássio Puterman e Allan Grabarz pelas conversas, fotos e relatos de viagem que, tal como vírus, me contagiaram.

E desta forma, dado que a vontade de ter a mochila como companheira é maior do que a necessidade de uma cama cativa e uma dezena de cuecas limpas, passa-se à avaliação daquilo que fica para trás. Não se pode negligenciá-la, já que se trata de questão mais complexa do que abdicar de coisas materiais.

É difícil ter uma dimensão do tempo que transcenda as 24 horas diárias pessoais. Talvez não 24 horas, mas seis meses, um ano, dois anos de sua vida particular que devem ser multiplicados por uma dezena de pessoas tão significativas em sua vida que se torna penoso estar ausente, ainda que como figurante. A isto me refiro às formaturas, rodas de samba, carnavais e os outros tantos acontecimentos que são impossíveis de prever.

Sobre estes eventos que provam nossa insuficiência, é que vem a maior aflição de pegar a estrada. Sem dúvida não faltarão momentos em que estarei apenas com a mochila, a roupa do corpo e a consciência. E assim, quando a língua portuguesa estiver apenas em meus pensamentos e o escuro da noite me fizer companhia, veremos se é verdade que a força vem da solidão. Todas as outras experiências serão mais fáceis e agradáveis (em condições normais de mochilão).

Finalmente, vem a angústia dos preparativos. Feito o pé-de-meia, tomadas as vacinas, renovado o passaporte, adquirido o visto (se for o caso) e estudado ligeiramente o roteiro, resta apenas lidar com a expectativa (para não dizer aflição) dos pais e amigos íntimos, enfrentando os habituais questionamentos tratados nesta breve apresentação.

Particularmente, quando alguém me pergunta o porquê disto tudo ou a razão de não escolher um roteiro mais convencional, simplesmente respondo com aquilo que comecei este prólogo: pela viagem em si, pela travessia em si. É a "onipresente ansiedade": há tanto a ser visto (cinco continentes), conhecido (refiro-me às pessoas, quase sete bilhões de pessoas) e sentido (não sei quantificar) em tão pouco tempo (66,7 anos, conforme expectativa de vida brasileira do Censo 2000). Espero que fiquem comigo nesta capoeira... "Vamo-nos embora, ê ê/Vamo-nos embora, camará/Presse mundo afora, ê ê/Presse mundo afora, camará."


P.S.: Curiosamente, ao tentar identificar o autor de uma frase que guardo na memória, algo do tipo "nem o ponto de partida, nem o de chegada importam. Importa a travessia", vejo Rubem Alves fazendo o inverso: metaforizando (em meu caso, apenas comparei) a escolha da profissão por meio da idéia de viagem. Clique aqui para ver o texto .



2 comments:

Anonymous said...

O TAO diz:

O caminho é a meta.

Seu texto me lembrou muito o livro SIDARTHA do Hermann Hesse, em especial, na hora em que o protagonista decidi abandonar o bunda e seguir o seu próprio traçado.

Ele entende que buda atingiu a sabedoria pelo caminho que percorreu e não por presença alheia.

Vai Oshima. Qualquer coisa grita.

Grande abraço,

Anonymous said...

Manda noticias cara... todo dia entro aqui e nada!